"Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na História do Portugal Contemporáneo escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos sertões da África, com as pontas das baionetas e das lanças a escorrer em sangue. Alguma coisa sofremos, é certo; corremos perigos, passámos fomes e sedes e não poucos prostraram em terra para sempre as fadigas e as doenças. Tudo suportámos de boa mente porque servíamos EI-Rei e a Pátria, e para outra coisa não anda neste mundo quem tem a honra de vestir uma farda. Por isso nós também merecemos o nome de soldados; é esse o nosso maior orgulho".
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Príncipe D. Luis Filipe de Bragança)
Esta citação foi retirada da carta que Mouzinho escreveu, em 1901, ao Príncipe D. Luis Filipe de quem era aio. Esta carta por demais notável – e que deveria ser lida e meditada em todas as escolas do País – constitui a síntese do seu pensamento de Homem, de Português e de Militar e reflecte em alto grau a elevada estatura moral do seu autor, espírito superior que não cabia no Portugal de então.
A figura de Mouzinho já foi evocada e estudada de todos os ângulos possíveis; as suas acções como militar, administrador e educador, dissecadas por numerosos autores, e bem assim o seu perfil como Homem, cidadão e o político que nunca foi.
Personalidade complexa, era dotado de grandes qualidades e algumas sombras, como é inevitável em todos os humanos. Mas entre umas e outras, o saldo recai amplamente nas primeiras e tudo deve ser avaliado à luz de um todo e de uma época.
"Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando"
Camões


Joaquim Mouzinho de Albuquerque nasceu na Quinta da Várzea, freguesia de S. Maria da Vitória, concelho daBatalha, a 12 de Novembro de 1855. Descendente de uma das famílias mais ilustres portuguesas, foi baptizado um mês depois no Mosteiro de Santa Maria da Vitória. Mouzinho distinguiu-se entre os Homens da sua geração e ganhou jús a figurar na plêiade de portugueses que no dizer do poeta “se vão da lei da morte libertando”.
E uma das provas que assim é, resulta no facto dos aniversários relevantes tanto da sua morte como dos seu nascimento continuaram a ser lembrados e comemorados das mais diferentes maneiras desde o seu trágico passamento. Quando se fala de Mouzinho, logo vem à memória o nome de Chaimite, onde o seu valor se revelou na sua plenitude, bem como a coragem tanto física como moral que Mouzinho tinha no mais alto grau. Individualizamos este memorável acto de coragem temerária – embora reflectida -, só possível num ser dotado de grande espírito militar e capacidade de liderança, por ser um feito de armas singular, gló ria exaltante dos nossos brios patrióticos e cujo valor encontrou eco nos principais países de então, confrontados com derrotas dolorosas de importantes exércitos da época (o feito foi tão assombroso que a Rainha Victória se recusou a acreditar quando lho contaram…).
Valor que fez reconhecer à generalidade da população portuguesa o direito que aqueles 50 bravos passaram a ter de ninguém se lhes dirigir sem se descobrir.E tanto é de espantar o golpe de asa que fez Mouzinho entrar no Kraal do Gungunhana – protegido pela sua mais aguerrida “impie”(1) de 3000 guerreiros, derrubando com decisão a paliçada que o protegia, todos petrificando com assombro; como, já na retirada, sentindo os Vátuas que os seguiam de perto, inquietos por não completamente dominados, mandou parar a coluna e num gesto intuitivo de alto risco, ordenou aos orgulhosos negros que depusessem os seus escudos no chão de modo a sobre eles poderem os soldados portugueses descansar. E assim se fez, ficando completa a humilhação vátua e por arrasto a sua submissão.
Mas hoje não se ensina mais o significado de Chaimite à população portuguesa e muito menos à sua juventude. Provavelmente, em muitos meios, este e outros actos heroicos são considerados “demodés”; uma acção de violência que nada justifica; uma aventura imperialista; um esforço escusado, uma afronta à paz entre os povos e outras considerações de semelhante jaez.
Hoje em dia os portugueses deixam-se dominar pelos pseudo-intelectuais de serviço que primam em aviltar a memória de quem se portou bem; de fazerem filmes sobre as derrotas nacionais; ou ainda – a lista é extensa – das peças teatrais, em que se evoca a batalha de Alcácer Quibir com artistas marroquinos. Tudo isto sob o olhar distraído ou conivente de autoridades e instituições.
É pois a esta luz, isto é, fazendo um paralelo entre os exemplos de Mouzinho e alguns eventos dos nossos dias, que nos propomos alinhavar a prosa restante.Será mais um serviço que ele indirectamente presta à terra que tanto amou.
Assim antes de fazermos uma incursão no seu exemplo como Homem, Militar e Administrador, tentaremos situar o personagem no Portugal de então e concluiremos com uma certeza e uma obrigação a cumprir.
A introdução fica assim feita, faltando apenas explicitar duas razões ponderosas da importância de comemorar a figura de Mouzinho:
• para se voltar a evocar os nossos Heróis, Sábios e Santos,ajudando desse modo a enterrar definitivamente umaleitura marxista da História que se impôs entre nós desdea época conturbada de 1974/5 e que tão perniciososresultados tem dado;
• e para ajudar a reganhar a nossa auto-estima comonação, muito abalada por más consciências recentes,lideranças políticas medíocres, autoflagelações pseudo-intelectuais e escassez de sucessos colectivos.
E à mingua de se evocar os heróis, condecoram-se ex -terroristas confessos e políticos que desqualificaram o país.
O Portugal Contemporâneo de Mouzinho
"Foram-se-nos mais de três partes do império de Além-Mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro ..."
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Príncipe D. Luis Filipe de Bragança)
Mouzinho nasceu no reinado efémero do muito prometedor Rei D. Pedro V que a doença ceifou prematuramente. Portugal tinha começado a viver, desde 1851, um período de paz civil, recuperação financeira e desenvolvimento económico. Este período seguia-se aos terríveis 50 anos anteriores, que tinham visto o país invadido pelos franceses por três vezes, que deixaram atrás de si um rasto de morte e destruição; assistido à partida da Família Real e de cerca de 10.000 pessoas de maior condição para o Brasil; à ocupação inglesa e perda do monopólio do comércio do Brasil e restantes territórios, para a Inglaterra; à Revolução Liberal de 1820, que veio a expulsar o governo de Beresford, e está na origem da independência brasileira, da primeira Constituição portuguesa e da posterior divisão da Família Real e subsequente guerra civil; da guerra civil que durou de 1828 a 1834, que devastou o país; da revolução social que se seguiu ao seu termo, cujo expoente se situa na extinção das Ordens Religiosas e na reforma administrativa de Mouzinho da Silveira e ainda na formação de uma nova nobreza e na emigração da antiga; tudo isto seguido de uma tremenda e demorada crise política, social, económica, financeira e religiosa, que acabou por desembocar noutra guerra civil, em 1847, a Patuleia, apenas terminada por uma intervenção militar anglo-espanhola!(2)
Foi na sequência desta devastação que o Marechal Saldanha, conhecido cabo de guerra de outras batalhas e golpes de Estado, forçou, “manu militan”, a sua ida para primeiro -ministro, em 1851.
A partir daqui as forças político-partidárias, vendo o descalabro em que se encontrava a Nação, promoveram um entendimento em que dois partidos constituídos, um mais à direita – O Regenerador – e outro mais à esquerda – o Progressista – se alternariam no Poder, numa tentativa de imitação do parlamentarismo inglés.
Deu-se assim início ao “rotativismo”, que funcionou sem percalços de maior até 1890, período marcado pela figura do general Fontes Pereira de Meio. Esse ano de 1890 viu surgir uma crise financeira o que acompanhado do “ultimá tum” inglês, mergulhou o país em prolongada crise social e política. A monarquía portuguesa ia viver os seus últimos 20 anos de existência em que aumentaram sem cessar os ataques à Família Real e ao Trono a que não eram estranhas as ideias socialistas introduzidas na sociedade portuguesa e, sobretudo, a emergência em força do partido republicano, apoiado pelas lojas maçónicas. Tudo veio a desembocar na revolta republicana gorada de 1891; no governo “ditatorial” de João Franco; pelo assassinato do Rei D. Carlos e do herdeiro do trono, em 1 de Fevereiro de 1908 e, finalmente, no 5 de Outubro de 1910, onde a divisão e desorientação das forças monárquicas e a falta efectiva de liderança fizeram soçobrar uma Monarquia antiga de quase 800 anos, em menos de 24 horas, às mãos de cerca de 500 civis armados, meia dúzia de peças de artilharia e um subalterno de Administração Naval. E isto depois do chefe da revolta, Almirante Reis, se ter suicidado julgando a partida perdida!
Talvez o resultado de tudo isto tivesse sido diferente se a espada de Mouzinho não o tivesse acompanhado no túmulo…
Quando Mouzinho nasceu, Portugal mantinha presença em quatro continentes, mas à excepção da índia, o controlo efectivo dos territórios ultramarinos era escasso. O esforço estratégico dos últimos 200 anos tinha-se concentrado no Brasil, território que, à data da independência, tinha umnível de desenvolvimento idêntico à Metrópole e um potencial incomparavelmente superior. Por via das invasões francesas e das guerras civis subsequentes, Portugal falhou as duas revoluções industriais ao passo que viu destruído quase tudo o que detinha. A independência brasileira deu o golpe de misericórdia na economia e finanças. Portugal, que no início do século XIX, se poderia considerar uma média potência, estava em meados do século quase desqualificado no conceito das nações e incapaz de acompanhar o desenvolvimento tecnológico e social em acelerada expansão.
Face às dificuldades existentes o Marquês de Sá da Bandeira, homem de incontestável valor (mas que se ficou por marquês enquanto outros, de inferior estofo, foram a duque…), no preâmbulo do decreto-lei que abolia a escravatura, datado de 1836, apontou a necessidade de se mudar o esforço estratégico para África de modo a lá se constituírem novos Brasis. O desafio foi aceite mas as guerras estrangeiras e internas, já citadas; os desatinos político -partidários; o caos financeiro; as querelas religiosas e a desorganização militar e administrativa fizeram gorar qualquer tentativa séria de desenvolver os territórios de além -mar, há demasiado tempo entregues à sua sorte. Tal só veio a mudar quando o interesse sobre a África e as cobiças internacionais, que culminaram na Conferência de Berlim de 1884/5, fizeram com que os governos portugueses acordassem da sua letargia e intentassem estudar, delimitar e ocupar “de facto” os territórios onde a Bandeira Portuguesa flutuava há quatro séculos. Isto só foi possível, porém, pelos progressos registados no período de 1851 a 1890 e que se traduziram na estabilidade das finanças, desenvolvimento da agricultura (Portugal continuava a ser um país essencialmente agrário) e na melhoria das vias de comunicação, transportes e infra-estruturas sociais. E, naturalmente, no reforço possível do Exército e da Armada.
A partir do início do século XIX, a África Negra deixou de ser olhada apenas como reservatório de escravos, local de expiação de condenados e ponto de apoio de armadas, para passar a local apetecível de ocupação. Concorreu para isto a curiosidade científica, a procura crescente de produtos tropicais, a necessidade de matérias-primas e a cativação de novos mercados que a Revolução Industrial não só potenciava, como exigia. Os avanços no campo da higiene e da medicina ajudaram em muito a prevenção e combate às doenças tropicais, facilitando desse modo a fixação dos europeus.


A perda do controlo dos territórios que dispunham na Amé rica do Norte, por parte da França e da Inglaterra encaminhou, naturalmente, estes países para outras paragens. À medida que se entrava na segunda metade de oitocentos o interesse por África cresceu desmesuradamente.
Constatava-se a ignorância sobre tão vasto territorio, sobretudo o seu interior. E do interesse dos governos passou-se para a opinião pública e desenvolveu-se a Geografía de que é exemplo em Portugal a criação da respectiva Sociedade, em 1875. As viagens de exploração sucederam-se e toda esta actividade veio a culminar na Conferência de Berlim de 1884/5, promovida e organizada pela Alemanha de Bismark, onde se fez a partilha do continente e se desencadeou uma auténtica corrida a África.
Sob forte pressão dos lóbies industriais alemães, Bismark acabou por lançar os seus olhos sobre o Continente Africano e, em apenas três ou quatro anos, formou-se o império alemão em África que englobava Angra Pequena, Camarões, Togo, o Sudoeste Africano e a África Oriental Alemã.
Portugal, cujo ambiente lhe era hostil, conseguiu apenas duas vitórias:
• impediu-se o estabelecimento da Associação Internacional Africana na margem direita do Zaire;
• ter sido retirada do acto geral a referência inglesa à internacionalização do Zambeze.
As decisões de maior peso que afectaram directamente Portugal foram a declaração sobre a liberdade de culto e a ocupação efectiva dos territórios. Sabia-se que só as grandes potências estavam em condições de fazer isto. Portugal não estava capacitado na altura para lidar com estas exigências e as outras potências sabiam-no. Portugal era o país que mais tinha a perder, percebeu o aviso e encetou numerosas acções para tornar mais efectiva a sua presença e salvaguardar os seus interesses.
Os “ventos da História” da época – um dos mitos do nosso tempo – assim o impunham…
A situação no Ultramar era confrangedora. E, se no Oriente, as nossas posições, por modestas, não despertavam grandes cobiças, já a situação em África era de molde a suscitar os maiores ataques. Foi isso que veio a suceder.
E se na índia se tinha enraizado uma casta aristocrática baseada na rede de familias portuguesas estabelecidas, as possessões portuguesas de África, foram quase apenas ponto de passagem das caravelas, ou lugar de degredo de quem caía sob a alçada da justiça, durante três séculos e meio. As estruturas sociais eram, assim, muito débeis.
Foi, portanto, um povo desmoralizado e governos hesitantes e fracos, que em meados do século XIX tiveram que passar a olhar para Africa, por um lado para encontrar alternativas à perda do Brasil; por outro, para fazer face às potências que nos queriam esbulhar. Mesmo assim o que se conseguiu fazer e salvaguardar foi espantoso.
Com a Conferência de Berlim, germinou em Portugal o sonho do mapa cor-de-rosa, que encontra os seus primórdios no século XVI.
No entanto este sonho chocava com os interesses britânicos que pretendiam ligar o Cabo ao Cairo e daí resultou o “ultimatum” de 1890. O “Direito da força” tinha-se sobreposto à força do Direito. Uma reflexão sempre actual.
A seguir à Conferência de Berlim, o governo português desencadeou um conjunto de acções de âmbito militar, administrativo, de investigação e de delimitação de fronteiras e também de melhoria de infra-estruturas, comunicações e comércio. E, naturalmente, aquilo sem o qual qualquer acção seria estultícia: o reforço da presença e acção do Exército e Armada nacionais. As campanhas militares e a completa pacificação dos diferentes territórios iriam estender-se até aos anos 30 do século XX.
Mouzinho de Albuquerque - A voz dos documentos e o exemplo da acção
"Enfim não houve forte capitão que não fosse também douto e ciente".
Camões
Joaquim Mouzinho não se limitou a ser um homem de acção, foi também um homem de pensamento e um escritor de mérito. Apreciava Eça de Queiroz, a quem chamava o “ilustre José Maria”.
Este último aspecto não tem sido objecto de estudo e realce. Mas ao ler-se a sua vasta correspondência, os relatórios das campanhas e o livro “Moçambique”, que escreveu em apenas três meses, pode facilmente vislumbrar-se os seus dotes para a escrita. Três das suas cartas podem considerar-se de antologia: a carta que escreveu ao Presidente do Conselho de Ministros, José Luciano de Castro, em que justifica a sua demissão de Comissário Régio de Moçambique; a missiva que deixou para o Conselheiro Álvaro da Costa Ferreira, seu substituto no governo da Província e esse monumento de sabedoria e honradez que representa a Carta ao Príncipe D. Luis Filipe, já referida. E através do que escreveu pode vislumbrar-se muito do que pensava e sentia. Por esses documentos podemos constatar algumas constantes: um acrisolado amor pátrio; a lealdade às instituições e sobretudo ao Rei; a ânsia pelo engrandecimento do Reino; um grande orgulho por ser militar e o que tal representava e um desprezo ácido pelos políticos e pela baixa política.
"Todos sabem os apuros financeiros do país e sabem por igual que, para segurar o Poder por mais 2 ou 3 anos, V. Exa. e o gabinete a que preside não hesitarão em sacrificar o futuro".
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Presidente do Conselho de Ministros)
Estes desencontros entre militares e civis não são raros na nossa vivência colectiva e manifestam-se mais durante a vigência de governos fracos e de menosprezo pela Instituição Militar. Vivemos hoje novamente uma época dessas e o que se tem passado não augura nada de bom.
Mouzinho como Homem
"Em resumo Exmo. Senhor, a minha superioridade consiste em ter só uma cara".
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Presidente de Conselho de Ministros)
Como disse Júlio Dantas, Mouzinho era grande demais para caber na sociedade portuguesa de então, que não sabia o que havia de fazer dele. E embora a lealdade desse “chevalier sans peur et sans reproche” estivesse acima de todos as dúvidas, temiam-no.
Parece poder apontar-se Robert Clive, Lyautey, Caldas Xavier e Joaquim Durant, Comandante da Cavalaria de Napoleão, como inspiradores da sua acção.
Mouzinho não era simpático para com o comum das pessoas, que não poderiam assim apreciar a lhaneza do seu trato íntimo.
Era um Homem de carácter e um Homem de bem. Era rijo e possuía uma resistência fôra do comum à fadiga, ao frio, à fome e era um trabalhador incansável. Era autocrata: “ninguém manda aqui senão eu enquanto for governador geral”, chegou a afirmar. Tinha um orgulho desmedido e uma decisão rápida.
“Audácia e Método”, é um lema que se lhe aplica e que é bem ilustrada pela sua frase
"Aproveitar na vida e na guerra as ocasiões e cair-lhe em cima como o milhafre sobre a presa".
Chaimite é o exemplo acabado desta tese. Joaquim Mouzinho era um chefe nato, um líder carismático, que arrastava os Homens – que o respeitavam, atrás de si. E é apropriado o que o Professor Marcello Caetano, dele disse
"a figura de Mouzinho de Albuquerque como chefe, tão grande como nenhuma outra".
Por outro lado, Mouzinho como pedagogo está bem ilustrado na célebre carta ao Príncipe D. Luis Filipe e que este nunca chegou a ler, já que só foi divulgada em Maio de 1908, já depois da sua morte. D. Carlos, ao apresentar-lhe o Príncipe, disse: “Aqui o tens, faz dele um homem e lembra-te de que há-de ser Rei”. E foi pena que o Príncipe, que nutria grande admiração pelo seu aio, não tivesse lido essa missiva pois representa uma extraordinária lição de amor pátrio, nobreza moral, alta política e inteireza de carácter.
Numa palavra de grande pedagogia política moral e social. Bastava esta carta, mais tarde apelidada de “entre mortos”, para que D. Carlos tivesse dado por bem julgada a decisão de tornar Mouzinho preceptor do seu herdeiro, numa tradição que vinha de D. Afonso III, que foi o primeiro rei português a dar a casa a seu filho – o esclarecido D. Dinis -, e a ter a noção da necessidade de cedo o preparar para ser Rei. E Mouzinho, querendo fazer do Príncipe um militar, dizia: “Por isso repito, primeiro que tudo tem Vossa Alteza que ser um soldado”. Sem embargo, Mouzinho nunca se adaptou à sua vida na Corte, o que é bem ilustrado numa carta que escreveu ao seu amigo Conde de Arnoso, ondechegou a dizer “sentir-se como um eunuco de serralho” e a “escorrer sangue da mutilação a cada momento”. Sentiu-se diminuído e considerava uma derrota a sua ascenção palaciana e, até, o preceptorado do Príncipe. E tudo isto depois do Rei D. Carlos ter dito a Luciano de Castro, Presidente do Conselho de Ministros, “Não posso pôr diante dos olhos do meu filho nem mais valentia, nem mais amor ao seu Rei, nem mais lealdade à Pátria”; tê-lo feito seu Ajudante de Campo e cumulado com outras distinções.
E outros paralelismos se podem fazer com o presente: a falta de preparação das elites políticas para a governação; a ignorância de muitos sobre matérias fundamentais e até do próprio país e da sua gente, por terem sido formados em universidades estrangeiras, alguns deles por terem fugido aos seus deveres militares para com a comunidade; outros por saírem directamente dos partidos políticos, que em vez de serem escolas de cidadania, se deixaram transformar em agências de empregos. Isto, claro, sem referir a evidência de que a esmagadora maioria de todos eles nunca ter passado, pelo serviço militar. E temos que considerar a coragem, qualidade que Mouzinho possuía em elevado grau. Coragem física, sim, mas, sobretudo, coragem moral, que o levava a arrostar com a responsabilidade independentemente das consequências e a só ter uma cara.
Qualidades raras em todos os tempos, onde imperam os pseudochefes que preferem “burro que os louve, a cavalo que os critique” e as personalidades que respondem a uma simples pergunta “que horas são”, qualquer coisa do género “são as horas que V. Exa., Senhor Ministro, quiser que sejam…”
Joaquim Mouzinho não era ambicioso, senão outro teria sido o desfecho do drama.
O seu desaparecimento constituiu um alívio para os medíocres.
Até o suicídio aparenta ter sido um acto de estoicismo de quem, inconformado, estiolava, levando uma existência que não gozava e impotente para evitar os desmandos políticos e afastar a intriga da sua pessoa.Dele se pode dizer o que Eça de Queiroz disse sobre Guerra Junqueira:
“Concluindo que a vida lhe não convinha, saiu dela voluntariamente".
Mouzinho libertou-se assim do “sol negro da melancolia”, no dizer de Roberto de Morais(3).
Mouzinho sempre teve uma relação estreita com a morte, queria “morrer bem” e era seu ideal “morrer a tempo”. E muitas vezes se tentou interpor entre a morte e os seus homens. Eis alguns dados elucidativos: após o combate de Coolela, dizia “chega-se a ter inveja dos mortos”; depois de Macontene: “Maria José, que bela oportunidade perdi hoje de morrer”; após a morte do Maniguana, ao lamentar-se de que a bala que ferira Vieira da Rocha na perna, não lhe tenha acertado na cabeça; “Falhou-me em Macontene”, desabafava com o seu íntimo amigo Bernardo Pindela, referindose à morte desejada, “porque os pretos não sabem atirar, falha-me agora a guerra do Transval. Só resta o fuzilamento no Rossio”; e em passagens da nunca por demais citada carta ao seu Príncipe. “Do cativeiro infamante salvou-o a morte, única libertadora invencível porque não há algemas que prendam um morto”; e “…nomeado por Deus, só Ele o pode render e então envia-lhe a morte a chamá-lo ao descanso”.
É ainda Mouzinho que escreve, ao evocar o Natal que ele passou em Languene na véspera da partida para a Jornada de Chaimite: “Tivesse eu a esperança de outro Natal semelhante e veria correr os anos sem desgosto, olharia cheio de ânimo para a vida, sem a considerar apenas como um caminho lento mas seguro para a morte, consoladora suprema do que se sofre neste mundo, destruidora providencial de quantos enfados, desgostos e desilusões”.
E dele disse o também grande militar, general Gomes da Costa
"...desse grande soldado chamado Mouzinho de Albuquerque que teve a coragem de se meter na sepultura quando começou a derrocada que conheceu não poder sustar...".
E até na morte, quis Mouzinho demonstrar a sua determinação e perfeccionismo. Possuindo um revolver regulamentar, usou um outro, “Bulldog”, de calibre superior (45) e velocidade inicial mais lenta a fim de ter a garantia que não falhava (munições que comprou na rua do Ouro, na casa Reynolds). Este acto foi antecedido de um almoço no Turf Club (ao Chiado), onde escreveu também as suas últimas cartas.
Mesmo assim o suicídio continuou, pelo tempo fôra, a constituir um enigma para muitos e a frase do seu íntimo amigo Conde de Arnoso, ao afirmar que tinha morrido de”Mouzinhice”, não ajudava a esclarecer o mistério.
Três cartas expedidas no dia da sua morte, uma à sua mulher, outra ao Conde de Tarouca e a terceira à Rainha D. Amélia, esclareceriam, por certo, o mistério. Mas a primeira foi para o túmulo com D. Maria José; a segunda foi queimada e nunca lida, após a morte do seu destinatário por decisão testamentária e a última desapareceu, sendo encontrada, mais tarde na Torre do Tombo. Dizia:


“Minha Senhora
Perdoe-me Vossa Majestade e não me ache cobarde pelo que fiz. Mas ser tido em mau conceito, ser desprezado é mais do que posso. Não creio que o suicídio nestas circunstâncias não seja um direito. Minha Senhora! Vossa Majestade nada perde senão um homem que no seu serviço faziaMouzinho e o real pupilo. Sua Alteza o Príncipe D. Luis Filipe97tudo e de tudo era capaz. Mas não poude ser. Paciência. Perdoe-me Vossa Majestade e reze por mim, se acredita que existe alma. Eu não acredito. Beijo as mãos de Vossa Majestade cheio como sempre de reconhecimento e dedicação. Seu maior criadoMouzinho de Albuquerque".
Foi no entanto a Rainha D. Amélia, que nutria especial afeição por Mouzinho, que melhor levantou o véu do mistério, no livro que escreveu antes da sua morte: “Eu, Amélia, Rainha de Portugal.” Por ele ficámos a saber que era convicção da soberana que Mouzinho pretendeu, com o seu sacrifício, pôr fim definitivo às atoardas postas a correr e que atentavam contra a honra de ambos.
Num balanço rápido pode afirmar-se que Mouzinho foi sobretudo um português e patriota, outra característica que nos faz muita falta nos tempos que correm.
Joaquim Mouzinho - O Militar
"Este reino é obra de soldados"
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Príncipe D. Luis Filipe de Bragança).


A carreira militar de Mouzinho ilumina-se através de acções militares, todas elas vitoriosas.
Participando no combate de Coolela e ocupação de Manjacaze, comandou pessoalmente:
• o golpe de mão sobre Chaimite e aprisionamento do Gungunhana(4);
• a pacificação do Maputo;
• a campanha dos Namarrais onde se travaram os combates de Mujenga, Naguema, Ibrahimo e Mucuto-Munu;
• a campanha de Gaza onde se registaram os combates deMacontene, Mapulanguene e Calapati;
• as campanhas da Zambézia em 1897 e 98.
Em todas estas acções que espantaram o mundo, tendo em conta os nossos muito limitados recursos e as derrotas que outros, mais fortes que nós, tinham sofrido, o espírito que as animou é bem ilustrado pelo seguinte diálogo, que antecedeu o combate de Magul:
guia civil, António:"
- meu capitão, 6500 negros, são muitos negros...
"Paiva Couceiro:"-
mas 123 portugueses também são muitos portugueses".