Mais de dez anos após a transição, é possível e justo fazer uma apreciação crítica positiva do percurso da nova região chinesa, formalmente estabelecida, por acordo com Portugal, no dia 20 de Dezembro de 1999. Um balanço correcto desta primeira década revelará, inequivocamente, o sucesso da aplicação do princípio “um país, dois sistemas” e a solidez do trabalho realizado, pela administração portuguesa, no período de transição, quando se fez uma enorme aposta nas infra-estruturas, na consolidação das instituições da sociedade civil, no reforço da capacidade da administração pública, na economia, na acção social, na educação e na cultura.
É também correcto reconhecer que o acordo firmado com Portugal, em 1987, foi respeitado, gozando a região, efectivamente, de ampla autonomia, sob o acompanhamento sempre atento das autoridades centrais chinesas. As instituições funcionaram e a maneira de viver da população foi mantida, sendo preservados os direitos, liberdades e garantias assegurados anteriormente pela Constituição da República Portuguesa e agora incorporados na Lei Básica da Região.


Os resultados são muito positivos, registando-se um impressionante desenvolvimento económico e, consequentemente, um invejável desafogo financeiro, pese embora a excessiva dependência em relação às abundantes receitas geradas pelos jogos de fortuna ou azar, e não obstante alguns assinaláveis acidentes de percurso e visíveis desequilíbrios que não foram suficientemente acautelados e que resultaram, em especial, do rápido crescimento verificado.A sua correcção constitui, agora, a maior prioridade, e também o maior desafio, na acção governativa nos próximos anos, estando a atenção da população, mais exigente e interventora, muito insistentemente virada, também, para o reforço de medidas de combate à corrupção e à ilegalidade administrativa.
Merece igualmente, menção a intensificação das relações com os Países de Língua Portuguesa, desejando a China que Macau utilize esta sua mais-valia, que é a ligação histórica, cultural e comercial ao mundo lusófono, cabendo também a Portugal saber tirar maior proveito deste desígnio pragmaticamente expresso e constantemente reafirmado. Foi ali que o governo chinês decidiu fazer funcionar, em permanência, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, multiplicando-se, desde então, as iniciativas neste contexto, estendidas às mais diversas áreas, incluindo a académica e a cultural. Ainda agora, em Novembro de 2010, se realizou a 3.a Conferência Ministerial, no âmbito deste Fórum, que contou com a presença de altas entidades dos respectivos Estados.
É, obviamente, importante que a SHIP e sua revista acompanhem, tão de perto quanto possível, os marcos históricos e a presença viva de Portugal e dos Portugueses no mundo. Por isso, este primeiro número da nova série da nossa revista contém trabalhos sobre a África lusófona, o Brasil e Macau.




Foi também em Macau que se realizaram os I Jogos da Lusofonia, ali reunindo em competição os melhores atletas dos países lusófonos. Fazendo uso pleno do seu modelar parque desportivo, Macau foi, em anos recentes, palco de outras relevantes competições, como os Jogos da Ásia Oriental e os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto, para além do seu mundialmente famoso Grande Prémio e de vários outros eventos desportivos internacionais. Os II Jogos da Lusofonia realizaram-se em Lisboa, devendo os próximos ter lugar em Goa.
A classificação, pela UNESCO, em 2005, do centro histórico da cidade como património mundial contribuiu, por outro lado, para garantir uma intervenção mais consequente e correcta na preservação do legado histórico e arquitectónico, ainda mais importante agora face às ameaças de descaracterização que abundantes e desproporcionadas construções ligadas aos novos operadores dos casinos então a provocar. A proposta, preparada vinte anos antes pela administração portuguesa, foi reformulada e retomada após a transição e mereceu o apoio total da China.
De acordo com um documento governamental central, estabelecendo directivas e metas económicas, até 2020, para todo o vasto delta do Rio das Pérolas, uma das zonas de mais espectacular desenvolvimento em todo o mundo e onde Macau se insere, privilegiam-se, para esta região especial, o papel de plataforma de cooperação com o mundo lusófono e o de grande e diversificado centro de turismo, valorizado pela existência, exclusiva em todo o território chinês, de modalidades diversas de jogos de fortuna ou azar e orientado, complementarmente, para congressos e convenções, incentivos e grandes espectáculos. Também se pretende que Macau se assuma como importante centro educativo regional, com a Universidade de Macau como pólo dinamizador, para o que foi já disponibilizado um amplo espaço, numa ilha chinesa vizinha, para a construção de um novo “campus”, que será maior do que o de qualquer universidade de Portugal. Estas novas instalações estão já em acelerada edificação.
Para viabilizar o crescimento desejado, acaba de ser autorizado o alargamento da área de Macau em cerca de 12%, ao mesmo tempo que foi aprovada a construção da ponte, uma parceria público-privada, que ligará Hong Kong a Macau e que será uma das mais longas do mundo.
Abrem-se, assim, aos interessados, locais e do exterior, renovadas e aliciantes oportunidades de participação e de investimento na próxima década.
Recordando a história de sucesso que foi o percurso de Macau dez anos após a transferência de poderes de Portugal para a República Popular da China, vem-nos inevitavelmente à lembrança aquele momento profundamente sentido quando o governador Vasco Rocha Vieira recebeu a bandeira nacional e a apertou comovidamente ao coração. Aquela impressionante imagem que correu mundo, representou o fim de um tempo de Portugal, em cujo nome a missão fora exemplarmente cumprida. Estavam criadas as condições para o território trilhar, sem temor e em segurança, os novos caminhos que lhe foram traçados, ficando bem preparado para enfrentar e vencer os desafios que a sua nova situação político – administrativa lhe lançou, no dealbar do novo milénio.


Um balanço correcto desta primeira década revelará a solidez do trabalho realizado, pela Administração portuguesa, no período de transição.
Presidente do Instituto Internacional de Macau Membro do Conselho Supremo
e presidente da Direcção Central da SHIP Académico Honorário da Academia Portuguesa de História
Ex-membro do Governo de Macau