Major-General João Vieira Borges1
1. Do “Sentido de Independência”
O “Sentido de Independência” de Portugal pode ser definido como a predisposição e a vontade do cidadão português para expressar e atuar em defesa da conquista e manutenção da sua soberania nas suas diferentes dimensões, desde a política à económica.
Como Estado que também é uma Nação, esse sentido do cidadão português tem ainda maior significado, pois traduz-se na defesa (por diferentes meios) permanente da autonomia da sua terra e da sua gente, apesar das concessões assumidas (politicamente) de soberania no âmbito de organizações supranacionais como a União Europeia.
Mas como se cria e mantém esse “Sentido de Independência”, num mundo crescentemente globalizado e muito especialmente numa União Europeia que cultiva valores comuns importantes, mas que no seu conjunto atenuam “o Espírito de Defesa”2 e mesmo o “Sentido de Independência”?
Só ama quem conhece e, por isso, é fundamental que os portugueses dominem a História de Portugal, seja no âmbito da História da Europa, seja ainda no da História Universal. No entanto, esse conhecimento deve ser alargado das fronteiras da cronologia às grandes figuras e aos feitos que marcaram o país e o Mundo, com um sentido positivo, construtivo, e enquadrado no tempo histórico. Portugal tem uma História de que se deve orgulhar, que constitui uma mais-valia estratégica, e por isso deve ser ensinada com método e rigor, mas simultaneamente com sentido patriótico.
A criação e a manutenção da Independência custaram a vida a muitos milhares de portugueses desde (pelo menos) 5 de outubro de 1143 (reconhecimento da independência de Portugal pelo rei Afonso VII de Castela, no Tratado de Zamora). Por isso, os nossos jovens devem saber e compreender a razão e importância da Independência de Portugal, para consolidarem o necessário “Sentido da Independência”, muito para além do próprio “Espírito de Defesa” de cariz mais militar. E esse saber e compreensão constituem uma responsabilidade primária dos pais e da Escola. Mas se os pais não aprenderam na sua Escola, cabe à nova Escola consolidar os programas de acordo com as novas metodologias e utilizando os novos auxiliares, mas mantendo o objetivo principal de ensinar o essencial da História de Portugal aos portugueses.


Infelizmente, temos assistido (como pais, educadores e cidadãos), ao longo das últimas décadas, à redução da carga horária dos programas de História no ensino em Portugal, com consequências diretas no necessário “Sentido da Independência”, que tem por base o “Orgulho em ser português”. Neste âmbito, relembramos o “Inquérito à População Portuguesa sobre Defesa Nacional e Forças Armadas” editado pelo Ministério da Defesa Nacional (DGRDN e IDN – e ICS-IPRI) em julho de 2021 na parte relativa ao orgulho em ser português e à disponibilidade para participar na Defesa do País. Cerca de 69,2% dos inquiridos sentem muito orgulho em serem portugueses, sendo residual a percentagem dos que não se sentem nada orgulhosos da nacionalidade (1,3% – pouco orgulhosos são 7,3% e algo orgulhosos 22,3%). Já no que se refere à disponibilidade dos inquiridos para participarem na defesa do País, 31,9% não estariam dispostos a integrar uma reserva de voluntários para, em caso de necessidade, participarem na defesa de Portugal (24,4% em qualquer circunstância e 43,7% só em missões de apoio à população). Importa destacar que, apesar dos dados favoráveis no que concerne à disponibilidade para defender o País, somente 35% dos jovens (18-24 anos) deliberadamente o assumem em qualquer circunstância, inclusivamente em face de um ataque militar. São dados preocupantes, que poderão ser alterados em função da invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro de 2022.
Assim, para não corrermos o risco de nos ficarmos pelas perceções, fomos analisar a evolução do ensino da História em Portugal, para a relacionarmos com o “Sentido de Independência”, diretamente relacionado com o “Espírito de Defesa”, em especial num período em que a Ucrânia, com o apoio do Ocidente, luta pela independência adquirida legitimamente em 1991.
2. Do Ensino da História
O estudo da História contribui para a compreensão da diversidade dos comportamentos humanos ao longo dos anos e para questionar narrativas diferentes, desde que sustentado por “evidências sólidas”3. Por isso é tão importante o que é ensinado, a forma como é ensinado, a qualidade das fontes e a formação dos professores. No seu conjunto, a História, a par de outras disciplinas, “contribui para o desenvolvimento de valores, atitudes, capacidades, conhecimentos e compreensão crítica”, ajudando especificamente a compreender criticamente o presente, tendo como pressuposto que “qualquer evento do passado deve ser interpretado no seu contexto histórico, de forma a despertar consciência de que as interpretações históricas podem e devem ser debatidas…” (Conselho da Europa, 2018).
Em Portugal, o currículo nacional é obrigatório e centralizado. Mais recentemente foi dada maior flexibilidade na gestão curricular às escolas (DL n.º 55/2018), no sentido de se promover uma maior inclusão dos alunos, “uma aprendizagem centrada nos alunos, no desenvolvimento de competências transversais, como de pesquisa, avaliação, reflexão, mobilização crítica e autónoma de informação, com vista à resolução de problemas e ao reforço da sua autoestima e bem-estar e implementar a componente de Cidadania e Desenvolvimento, como disciplina obrigatória no Ensino Básico” (Glória Solé, 2021, p.23).
De acordo com Glória Solé (2021, pp. 21-22) “…os programas de História ainda mantêm uma estrutura linear e cronológica, com grande enfoque na História de Portugal, ou seja, prevalecendo uma História Nacional, embora integrada na História Europeia e Mundial a partir do 3.º CEB. Mudanças profundas têm surgido no ensino da História em Portugal, operadas pelos documentos curriculares em vigor, pela renovação dos manuais escolares em linha com as novas orientações curriculares e uma aposta na formação docente que privilegie a formação contínua e o ensino por competências, em sintonia com a agenda para a Educação do Século XXI (UNESCO).”

O sistema educativo português está divido em níveis de ensino sequenciais, que incorporam as seguintes disciplinas da área da História e respetivas cargas horárias:
– Educação Pré-escolar, que é opcional;
– Ensino Básico, que compreende:
– 1.º ciclo de quatro anos (a História está integrada na área de Estudo do Meio, com uma carga horária de 3 horas por semana);

– 2.º ciclo de dois anos, que integra o 5.º e 6º ano de escolaridade (a História está integrada na área das Línguas e Estudos Sociais como complemento à área de Estudo do Meio do 1.º ciclo, na disciplina de História e Geografia de Portugal, integrando as duas componentes História e Geografia. A carga letiva tem-se vindo também a reduzir, e atualmente corresponde a dois ou três tempos letivos);
– 3.º ciclo com a duração de três anos, que integra o 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade (História e Geografia constituem disciplinas obrigatórias e autónomas, tendo cada uma 2 horas semanais – Português e Matemática têm 4 horas cada);
– Ensino secundário, que corresponde a um ciclo de três anos, com o 10.º, 11.º e 12.º anos (a disciplina de História surge no plano de estudos dos cursos científico – humanísticos de ciências sociais e humanas (História A), de ciências socioeconómicas (História B) e Artes Visuais (História da Cultura e das Artes), com programas diferentes, adequados às reais necessidades dos alunos que frequentam um e outro curso). A carga horária de História A, História B e História e Cultura e das Artes é de cinco tempos nos 10º e 11º anos e a História A do 12.º ano seis tempos escolares.
De acordo com Gloria Solé (2021, p. 50), “se por um lado, o número de horas de História se tem vindo a reduzir nos vários níveis de escolaridade, também os conteúdos a lecionar têm sido menores e menos aprofundados, permitindo às escolas flexibilizar em 25 % os conteúdos a lecionar.”.

Algumas escolas optaram por reduzir o número de horas letivas de História em favor de outras disciplinas sociais, como a Geografia e a Cidadania e Desenvolvimento, posição contestada pela Associação de Professores de História em Portugal (APH – Circular Informação 09/2018):
– “2 .A distribuição da carga horária semanal da disciplina de História e Geografia de Portugal não pode nunca ser, nestas circunstâncias, inferior a 6 tempos e a carga semanal da disciplina de História do 3º ciclo não deve ser inferior a 9 tempos. Nada na matriz aponta para que assim não seja. Mais uma vez afirmamos que, apenas por má-fé de algumas escolas, essas não sejam as opções tomadas.
– 3. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento4, à qual são atribuídos até 25 minutos semanais, foi pensada, como é óbvio, e como foi aplicado em muitas escolas na fase de experimentação, para ser lecionada, preferencialmente, em regime de semestralidade, fazendo par com a disciplina de TIC. Esta disciplina, tal como foi reiterado por diversas vezes pela tutela às Associações de Professores de História e de Geografia, deve ser lecionada por docentes do grupo das Ciências Sociais e Humanas (ANEXO III do decreto-lei nº 55/2018). A haver escolas onde não seja possível entregar a lecionação desta disciplina a estes docentes os minutos devem, obrigatoriamente, ser retirados ao crédito de minutos da cada escola e, nunca, ao grupo das Ciências Sociais e Humanas. A APH considera que, no grupo de Ciências Sociais e Humanas os professores de História, devido à especificidade do currículo da disciplina, devem ser os designados para lecionar esta disciplina.”

A temática da Independência de Portugal é estudada no 5º ano de escolaridade na disciplina de História e Geografia de Portugal, e os alunos devem ficar capazes, no âmbito da “formação do reino de Portugal” a:
– contextualizar a autonomia do Condado Portucalense e a formação do Reino de Portugal no movimento de conquista cristã, ressaltando episódios de alargamento do território e da luta de D. Afonso Henriques pela independência;
– referir os momentos-chave de autonomização e reconhecimento da independência de Portugal, nomeadamente o Tratado de Zamora e o reconhecimento papal da nova potência;
– identificar/aplicar os conceitos: condado, fronteira, independência, reino, monarquia.
O estudo do reino de Portugal é aprofundado no sétimo e décimo ano de história e outros momentos relacionados com a independência, em sentido restrito, estão presentes nos programas, casos do alargamento de fronteiras até D. Dinis, da crise 1383-85, da restauração, das invasões francesas, etc. Entretanto, a singularidade de Portugal é explorada no contacto europeu e mundial, justificando-se nos diferentes contextos a manutenção da sua independência.
Mesmo sem analisarmos mais em pormenor os programas das diferentes disciplinas de História, desde o Ensino Básico ao final do Ensino Secundário, entendemos que, de acordo com os estudos de Glória Solé e a posição institucional da Associação dos Professores de História, a questão mais critica relativamente à aprendizagem diz respeito à redução da carga horária semanal, o que tem sido agravado com a Covid-19 e mais recentemente com as lutas dos professores em prol de melhores condições e da valorização da profissão. É importante recordar que a história perdeu 1/3 do seu tempo na sala de aula nos últimos anos, com prejuízo dos alunos e sem benefícios aparentes do ganho de horas das outras disciplinas. O caso da semestralidade da disciplina de História ainda é mais grave, pois os alunos só têm a disciplina durante metade do ano, sem tempo de maturação, de interiorização e de consolidação dos conhecimentos.
3. Lições para o Presente
Considerando o atrás exposto concluímos que os programas de História do ensino básico ao secundário em Portugal estão bem organizados e estruturados. Os factos associados à “Independência de Portugal”, designadamente o tratado de Zamora e o reconhecimento papal, são tratados de modo cronológico e com o necessário enquadramento europeu e mesmo mundial.
No entanto, a redução gradual da carga horária, a par de outras situações castradoras da carga horária, tem levado a abordagens mais genéricas ou então ao incumprimento dos programas já de si menos aprofundados. Por outro lado, as mesmas razões, a par de outras de cariz financeiro, têm levado à redução das necessárias e adequadas visitas de estudo, tão importantes para a consolidação dos conhecimentos e para a criação do necessário orgulho em ser português, associado diretamente ao “sentido de independência”.
Então o que podemos fazer a curto prazo?
Começar por ir ao encontro das propostas apresentadas pela APH, em termos de carga horária, seja no âmbito da História ou da Cidadania e Desenvolvimento, o que irá permitir a realização de mais visitas de estudo e de maior reflexão sobre um tema tão estruturante. A luta pela manutenção da independência da Ucrânia, da sua soberania e integridade territorial, na sequência da invasão injusta e imoral por parte da Rússia, é um tema diário para os jovens em geral, o que os leva a refletir sobre como manter e lutar pela independência da sua terra e da sua gente. Nesse sentido, estão hoje mais motivados para fazer as devidas analogias entre os diferentes países e perceber que Portugal é um dos Estados Nação mais antigos do Mundo, facto que deve ser motivo de orgulho e uma mais-valia estratégica.
Mas também devemos trazer a juventude para as cerimónias mais marcantes da História de Portugal, em especial as diretamente ligadas à luta pela Independência de Portugal, casos do 5 de outubro (1143) ou do 23 de maio (1179), ação que tem sido alvo de um esforço enorme da SHIP, mas infelizmente com pouca correspondência por parte da sociedade portuguesa em geral e dos políticos em particular. É preciso chegar aos jovens com uma nova linguagem, novas metodologias e novos instrumentos, que no seu conjunto promovam o gosto pela História.
Outra ação diz respeito à necessidade de um maior investimento na formação dos professores nestas temáticas relacionadas com a independência nacional, seja no âmbito do Instituto da Defesa Nacional, do Instituto Diplomático ou mesmo da Instituição Militar em geral.
Em conclusão, entendemos que o Ensino da História constitui um estandarte do Sentido de Independência e mesmo do Espírito de Defesa, pelo que deve ter uma atenção muito especial da parte dos diferentes atores políticos. O futuro constrói-se hoje e os jovens são a semente que devemos cuidar e alimentar, com o orgulho de pertencermos a um dos Estados Nação mais antigos do Mundo, detentor de uma História que marcou profundamente a História da Europa e do Mundo.


Bibliografia:
– Barrento, General António Eduardo Queiroz Martins (2023). Espírito de defesa. Revista Militar, n.º 5 – maio 2023, pp. 369-375.
– Borges, João Vieira (2004). Carácter, Liderança e Cidadania no Ensino Superior. Revista Nação e Defesa, número Extra Série, julho 2004, pp. 201-208.
– Borges, João Vieira (2022). Garantir a Soberania: Alianças e Segurança Nacional – Uma visão estratégica. in Lã, João Rosa & Faria, Ana Leal de & Cunha, Alice, A Diplomacia e a Independência de Portugal, BookBuilders, novembro de 2022, pp. 163-176, pp. 177-185.
Conselho da Europa (2018). 108118POR – Qualidade da educação histórica no século XXI. Educando para a diversidade e para a democracia: ensinando História na Europa contemporânea. Princípios e linhas orientadoras.
– DL n.º 55/2018, de 6 de julho.
– MDN (2021). Inquérito à População Portuguesa sobre Defesa Nacional e Forças Armadas. DGRDN IDN, ICS-IPRI, julho de 2021.
– Rangel, Jorge A. H. (2010). Editorial. Revista Independência, n.º 1.
– Solé, Glória (2021). Ensino da História em Portugal: o currículo, programas, manuais escolares e formação docente. El Futuro del Pasado, 12, 21-59. https://doi.org/10.14201/fdp2021122159
Sites:
https://www.dge.mec.pt/historia-e-geografia-de-portugal
2º ciclo_ https://www.dge.mec.pt/historia-e-geografia-de-portugal
3º ciclo – https://www.dge.mec.pt/historia
secundário (tri-anual) – https://www.dge.mec.pt/historia-ch-lh
secundário (bi-anual) – https://www.dge.mec.pt/historia-da-cultura-e-das-artes
12º ano (anual) – https://www.dge.mec.pt/noticias/historia-culturas-e-democracia
Cidadania e Desenvolvimento – https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/cidadania_e_desenvolvimento.pdf
Portal de apoio à Cidadania e Desenvolvimento: https://apoioescolas.dge.mec.pt/nivelciclo/cidadania-e-desenvolvimento-1
1 Agradeço à Professora Isabel Pestana Marques a cedência de fontes e a revisão do texto.
2 Para o General António Barrento (2023, p.1), “o espírito de defesa é a predisposição e a vontade que as pessoas tenham e expressem para defender algo importante que pode ser destruído ou danificado por uma ação exterior.”.
3 Como advogam Prats & Santacana (2011 – in Glória Solé 2021) uma das finalidades do ensino da História visa, entre outras, a construção de uma consciência crítica nos alunos, base fundamental de uma cidadania ativa, para além de outras adstritas à própria ciência da História, como o conhecer o passado, para melhor compreender a realidade do presente e projetar ações no futuro; abordar problemas sociais relevantes, temas difíceis e problemáticos; tomar consciência e sensibilidade para problemas sociais; desenvolver competências cognitivas; valorizar e defender o Património; desenvolver uma consciência temporal e também educar em valores e sobre uma ideia de cidadania democrática, embora esta última não deva ser exclusiva da História, mas outras áreas do saber devem se preocupar com esta dimensão também.
4 Visa promover nos alunos o exercício da cidadania ativa, de participação democrática, em contextos interculturais de partilha e colaboração e de confronto de ideias sobre matérias da atualidade.