José Manuel Malhão Pereira
Introdução
Quem me conhece, sabe que as minhas áreas de interesse e estudo são essencialmente a história da náutica e da expansão Portuguesa.
Contudo, considero que o momento que o país atravessa necessita da contribuição de todos os cidadãos para pelo menos darem sugestões construtivas para a solução dos
seus problemas.
E para justificar mais concretamente esta minha iniciativa, bastará repetir aquilo que disse há cerca de quatro anos, falando em circunstâncias e com tema idênticos ao correspondente a esta sessão e neste mesmo salão nobre. Disse então que era sexagenário, avô, militar da Armada, ex-combatente e membro desta Instituição. Contudo, uma ligeira adaptação devo fazer. É que agora sou septuagenário e na altura tinha apenas três netos (agora tenho cinco), e consequentemente as minhas responsabilidades aumentaram.
Aproveito a oportunidade de publicamente chamar a atenção para o facto de ter sido reiniciada a publicação da nossa revista, a revista Independência. E não se trata apenas de constatar esse facto, mas também de reconhecer que devemos agradecer à Direcção e ao empenho directo do Dr. Jorge Rangel, para que se concretizasse essa acção, tão importante para a perenidade de alguns dos nossos trabalhos. Quero ainda agradecer o generoso e patriótico gesto do Senhor General Rocha Vieira, que sei ter muito contribuído para que o projecto se concretizasse.
Será então o tema que me propus tratar esta noite, o da Língua Portuguesa, que ao Mar deve a sua difusão universal.
Quero desde já dizer que não sou nem filólogo nem linguista. Apenas pretendo chamar a atenção para a importância da língua portuguesa como veículo de cultura e de comunicação entre os povos, e ainda como traço de união de interesses comuns a esses povos.
Pretendo também chamar a atenção para o potencial humano correspondente aos falantes da língua de Camões, espalhados por todos os continentes e ao valor estratégico e cultural desses milhões de seres humanos.
Pretendo ainda tratar de um tema que é tabu para muitos dos decisores políticos da época actual e também por muitas das elites com responsabilidades administrativas e de comando da sociedade portuguesa, porque estes tipos de assuntos são geralmente mal vistos.
De facto, ainda está fresca a revolução dos cravos, e citando alguém cujo nome revelarei mais adiante, direi que “… no século XX em Portugal ocorreram três revoluções: em 1910, em 1926 e em 1974. As três revoluções deram-se mais pela implosão dos três regimes depostos – Monarquia, I República e Estado Novo – do que propriamente pela força dos seus opositores, mas ainda assim, em todas elas, a lógica maniqueísta emergiu em todo o seu esplendor: pela diabolização da Monarquia pela primeira República; pela diabolização da I República pelo estado Novo; pela diabolização do Estado Novo pelo 25 de Abril.”.
Nestas condições, falar em assuntos que possam lembrar as eventuais glórias do passado ou o antigo Império é não só politicamente incorrecto como indesejável em muitos sectores da nossa sociedade, por lembrar algo que é para esquecer.
Por isso, e como não partilho de opiniões idênticas, aqui vai mais uma reflexão sobre uma das vias que poderão ser utilizadas pelos falantes da língua portuguesa para resolverem muitos dos problemas sociais e políticos com que se defrontam na época actual.
A língua portuguesa no mundo1
A língua portuguesa é actualmente falada por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo a quinta língua mais falada no mundo e a língua oficial dos oito países da CPLP e ainda, a partir de 2007, da Guiné Equatorial.
É também a língua mais falada no Hemisfério Sul e a terceira mais falada no mundo ocidental, onde a primeira é o Inglês e a segunda o castelhano.
É também falada nos seus antigos territórios portugueses da Índia e em pequenas comunidades da Ásia do Sueste e também da África Oriental.
Há cerca de 20 crioulos com base no Português, e a nossa língua, além de falada em grandes comunidades de imigrantes em regiões da Europa, das Américas e da Ásia, é ainda falada minoritariamente em territórios os mais díspares geograficamente, como Andorra, Luxemburgo, Namíbia, Paraguai e Uruguai, Maurícias, África do Sul.
Tem ainda estatuto oficial na União Europeia, na União Africana, na Organização dos Estados Americanos, na União Latina, no Mercosul, na CPLP e na Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa.
É de ensino obrigatório na República do Congo, na Zâmbia, na Venezuela, no Uruguai e na Argentina.
Tudo isto corresponde a um resumo da situação actual da língua, que tem no Instituto Camões criado em 1992 e sucessor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, o seu orientador oficial, dispondo no mundo, de imensos Centros de Linguagem e Centros Culturais, assim sumariamente distribuídos:
– Centros de Língua – Vinte e cinco na Europa, dezasseis em África, dois nos Estados Unidos e um no México, dois nas Américas Central e Sul (Buenos Aires e Caracas), e três na Ásia (Pusan, na China e em Goa e Dilli).
– Centros Culturais – Dezanove, principalmente nos antigos territórios ultramarinos e ainda em França, Luxemburgo, Japão.
De uma maneira geral, a língua portuguesa ocupa um honroso lugar em número de falantes, admitindo-se um alargamento futuro, não só devido ao natural aumento da população dos territórios onde é língua oficial, como também ao crescente desenvolvimento económico do Brasil e dos territórios africanos de mais elevada população, que a tornará mais influente nos aspectos políticos e culturais.
Para um estudo mais detalhado da língua portuguesa e sua história, recomenda-se o Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo publicado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, pela Imprensa Nacional – (3) Casa da Moeda e pela União Latina, em 1992. Note-se que esta última instituição é praticamente desconhecida, ou pelo menos nunca referida pela média europeia.
Breve história da expansão do Português
Isto é apenas uma simples e bastante incompleta relação da situação da língua portuguesa no mundo actual. Mas uma análise da sua expansão e influência no passado, dar-nos-á certamente uma melhor perspectiva do que poderá ser o seu desenvolvimento futuro.
Como dissemos acima, é raro ouvir falar actualmente nestes assuntos, pelos motivos conhecidos e anteriormente expostos, mas no passado tal não foi o caso. De facto, muitos investigadores, linguistas e historiadores, se debruçaram sobre a expansão e influência da língua portuguesa no mundo, produzindo importantes trabalhos que convirá recordar.
Muito autor haveria a mencionar, mas limitar-nos-emos apenas a alguns, por razões óbvias. Falemos então de David Lopes, que exerceu a sua actividade docente e académica nas primeiras décadas do século XX, tendo recebido em França grande parte da sua educação, na École National des Langues Orientales e na École des Hautes Études. Distinguiu-se principalmente como arabista, tendo exercido a docência na Faculdade de Letras de Lisboa de 1914 a 1937, da cadeira de Língua e Literatura Árabe.
De entres as suas obras, destaco A Expansão da Língua Portuguesa no Oriente Durante os Séculos XVI, XVII e XVIIII. Extraio do Prefácio de Luís de Matos à sua segunda edição, cuja capa se insere acima:
"Esta obra, publicada em 1936, foi uma revelação. Os estudos portugueses e estrangeiros tinham até então mostrado um só aspecto do assunto: a existência de crioulos e a penetração do português em línguas asiáticas; ora David Lopes era o primeiro a demonstrar que o português fora durante três séculos a língua franca do Oriente.".
Luís de Matos informa em seguida que anotará esta edição e acrescentará mais transcrições de autores estrangeiros não referidos pelo autor.
David Lopes, no Preâmbulo do seu trabalho, informa que demonstra os factos acima referidos, com referências de viajantes estrangeiros e documentos oficiais, com vocabulário português que passou para muitas das línguas orientais e com as obras de carácter didáctico publicadas para ensino do português.
A leitura desta obra é verdadeiramente fascinante e não poderei deixar de comentar e citar algumas das passagens mais significativas. Vejamos outras das ideias, conceitos e informações dadas pelo autor neste seu estudo no referido Preâmbulo:
– As missões religiosas contribuíram muito para a difusão da língua. Estão nelas incluídas as missões protestantes, provenientes da expansão Holandesa.
– Citando um autor inglês de princípios do século XIX, diz Lopes que se viesse a constituir-se uma igreja católica indiana o português seria a sua língua.
– Batávia (a atual Jakarta, na Indonésia), foi desde a sua fundação em 1619, uma cidade de língua portuguesa, a tal ponto que as autoridades holandesas intentaram várias vezes impedir a sua difusão. A sua igreja portuguesa esteve aberta ao culto até ao século XIX.
Seguem-se vários comentários relativos à difusão e manutenção do português e da sua influência no sueste asiático continental e insular.
Contudo, os capítulos dedicados às fontes estrangeiras onde se fala do uso da língua portuguesa no Oriente são extremamente interessantes e convém recordar esta matéria, porque nós estamos actualmente tão absorvidas com a feliz vida neste oásis europeu, que nos esquecemos que já fomos importantes e independentes!
Vejamos então, e muito brevemente, algumas das citações que David Lopes faz de fontes estrangeiras bem identificadas:
– Em 1545 S. Francisco Xavier, em carta de S. Tomé de Meliapor, diz que “Se da nossa Companhia vierem alguns estrangeiros que não saibam falar português é preciso que
o aprendam, porque de outro modo não haverá intérprete capaz que os entenda”.
– Em 1596, o tratado de paz e comércio entre os holandeses e o governador do reino de Bantam (em Java), foi em língua portuguesa.
– Veja-se a credencial que em 1598, Maurício, Príncipe de Orange, Conde de Nassau, levou para os príncipes do Oriente.
– Em 1600, o inglês William Adams escrevia a sua mulher e dizia que em Osaca só conseguiu falar com o soberano local sem ser por gestos, depois de aparecer alguém (de entre os da comitiva inglesa, é claro), que falava português.
– No relato da viagem do holandês Nicholas de Graaf à Asia, que corresponde ao período de 1639 a 1687, há uma interessantíssima informação relativa ao comportamento das mulheres de elevado nível social residentes em Batávia. Estas senhoras têm escravos dos dois sexos que estão permanentemente atentos às suas necessidades ou desejos. Se as escravas não respondem imediatamente chamam-lhes logo sua filha da …, , etc., etc. Tudo em bom português, como devem imaginar! Os filhos destas senhoras são criados pelas escravas e falam mais tarde melhor o português que o flamengo.
Continuando a extrair as citações feitas por David Lopes, por ordem cronológica, de autores estrangeiros, vejamos mais as seguintes:
– Há informação de que os reis de Ceilão se correspondiam com os Holandeses em português, sendo transcritas duas extensas cartas correspondentes aos anos de 1646 e 1656.
– Em 1661, um viajante no oriente, comentando o sucesso dos portugueses no golfo de Manar, área de pescaria das pérolas, afirma que, entre outros factores, é em parte devido ao facto de o português ser de fácil compreensão por parte dos Índios.
– Em 1674, os missionários franceses do Sião, Cochinchina e Tonquim, não obstante a sua hostilidade ao Padroado Português do Oriente, diziam que o português é praticamente a única língua europeia que se expandiu no oriente.
– Em 1689, no Sião (actual Tailândia), informa-se que se dá missa em português, que nesse país há inúmeros portugueses e que muita correspondência oficial é escrita nessa língua.
As citações prosseguem (cerca de mais vinte), percorrendo fontes que se referem de modo semelhante ao uso do português como língua veicular em Ceilão, costa do Coromandel, na zona do Cabo da Boa Esperança, costa oriental de África. A última citação é de 1906. Reparem bem, 1906!
David Lopes publica em seguida uma lista com “as palavras portuguesas no holandês da Companhia das Índias Orientais”. São ao todo 200 vocábulos ou locuções.
No capítulo terceiro, David Lopes refere extensamente a problemática dos vocábulos portugueses de origem asiática, dando numerosa bibliografia sobre o assunto e referindo naturalmente a valiosa obra de Rudolfo Dalgado, o célebre Glossário Luso Asiático.
O Capítulo quarto comenta a importância do Português nas Índias Orientais Holandesas e o insucesso destes europeus em substituírem a língua franca por nós deixada.
É muito interessante notar a quantidade de publicações editadas em português e que foram publicadas pelas autoridades coloniais que nos sucederam no oriente.
Vejamos as páginas de rosto destes sugestivos exemplos publicadas pelo autor na sua importante obra:
– As Fábulas de Esopo para os, leitores de Batávia, 1672.
– Os Salmos de David, também para Batavia, 1703.
– Os mesmos salmos, impressos na cidade de Colombo, em 1763.
– O Livro da Oração Commum, na cidade de Veperey (perto de Madrasta), para a igreja de Inglaterra, de 1800.
– Um Manual ou Breve Instrução que Serve para Uso das Crianças que Aprendem a Ler e Começam a Rezar nas Escolas Portuguesas, para a Índia (Malabar e Coromandel), 1713. Admite David Lopes que pode ter sido impresso em Londres.
Esta é apenas uma pequena amostra das 13 obras em português que o autor descreve com detalhe.
Aconselho vivamente a sua leitura.
Os portugueses em África e nas Américas
Há outro muito interessante trabalho, a Miscelânea Africana, que é coletivo, publicado em 1975 pela Junta de Investigações do Ultramar, sob a direção de Marius Valckhoff, um holandês professor de linguística, que leccionou na Holanda e na África dos Sul.
Reúne trabalhos de especialistas portugueses, sul-africanos, franceses, holandeses, e estuda a língua portuguesa como língua franca, e os seus crioulos. Cito algumas das palavras do coordenador na sua apresentação da obra:
"… no ano de 1974 a língua portuguesa surge como uma língua franca, graças à qual não só os Africanos e os Portugueses, mas também pessoas que falam línguas africanas diferentes, se podem entender. Esta situação é já muito antiga. Fora de Portugal pouca gente sabe que o português foi a língua mundial antes que o francês começasse a desempenhar este papel, e mais tarde o inglês.".
Eu corrigiria que este facto era essencialmente desconhecido dentro de Portugal.
Imagine-se a atenção que os portugueses na altura, 1975, deram a esta publicação, entretidos que estavam a introduzir em Portugal a liberdade de distorção do pensamento, entre outras amplas liberdades!
Os eruditos trabalhos tratam essencialmente, como se disse, dos crioulos em África, nomeadamente os de Cabo-verde e S. Tomé, mas também da toponímia geográfica em português, da música portuguesa em Moçambique, e da influência do português na África do Sul.
Há um muito interessante artigo em francês do coordenador intitulado “A Importância do Português como Língua Mundial Anterior ao Francês”.
Neste trabalho, o autor demonstra que a língua veicular nas Antilhas e também nas costas da China era o português.
O Abbé de Choisy
Pelo seu interesse para a matéria que estamos a tratar, vou em seguida comentar muito brevemente um livro, conhecido certamente por alguns de vós, e de certeza por quem mo emprestou há anos. Quem mo emprestou foi um fuzileiro e grande português, meu comandante na Guiné em 1964 e 1965, com quem partilhei as aventuras que envolveram os lusófonos durante mais de 13 anos.
Como se sabe, depois desses treze anos de guerra de guerrilha, seguiram-se na maior parte dos territórios devastadoras guerras civis que destruíram muito do que os luso falantes construíram em conjunto, em mais de cinco séculos.
O livro a que me refiro é um relato, em forma de diário, do Abade de Choisy, um clérigo, que acompanhava o Cavaleiro de Chaumont Alexandre e Gui Tachard numa embaixada de Luís XIV ao rei do Sião. Iam também a bordo 6 jesuítas que se juntariam ao Padre Verbiest, em serviço no Observatório de Pequim.
Vejamos alguns excertos do relato desta viagem iniciada em Brest em 1685 a bordo do Oiseaux, um navio do Rei, de 46 peças, que traduzo do francês e que são muito elucidativos da importância da nossa língua na época:
– A primeira preocupação da comitiva culta, logo expressa no segundo dia de viagem, foi a de aprender português, além de astronomia.
– Reparem agora V.as Exc.as nesta extraordinária informação do nosso narrador. Ao fundear no Cabo da Boa Esperança, do navio partiu uma comitiva que foi recebida pelo Governador do Cabo, onde os holandeses já estavam estabelecidos. Para comunicarem entre si, o Governador Holandês e os emissários franceses, falaram em português. É extraordinário que isto aconteça entre duas nações europeias tão próximas fisicamente na Europa, mas é de facto a realidade insofismável. Choisy também diz que ao dirigir-se em francês ao Barão Van Reede um dos administradores da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que conhecia mal esta língua, este lhe responde por vezes em português.
Em toda a viagem perpassa sempre a presença portuguesa, não só no que respeita à língua, como também à existência no Sião de um mandarim português, de um militar português comandante de uma força, de informações sobre os territórios administrados por Portugal e do casamento de um militar francês com a filha de um militar português.
O valor estratégico da língua de Camões
Esta é, em linhas muito gerais, a evolução do português no mundo e a situação actual da nossa língua.
Note-se que por ser mais conhecido, não desenvolvi o tema da expansão do português na África Ocidental, que aconteceu logo no início da expansão, e que originou que a língua veicular de toda aquela área fosse o Português.
Relembro a extraordinária experiência do contacto entre povos diferentes, que constituiu a relação dos Reis do Congo com a coroa portuguesa. Sobre esta área do globo, veja-se no Atlas da Língua Portuguesa, já referido, o erudito trabalho de António Luís Ferronha.
Apenas mais uma breve nota para chamar a atenção que a história de muitas áreas do globo e de muitos povos só pôde ser mais profundamente conhecida, recorrendo às fontes escritas na nossa língua.
A maioria de vós sabe qual a minha opinião sobre o rumo que a nossa nação deve seguir, até porque eventualmente leram a nossa revista. Mas eu sou apenas um ex-combatente, um septuagenário, um humilde marinheiro e um avô. Podem crer que tenho grande orgulho neste meu último atributo, e é em grande parte por isso, por ser avô e me preocupar com o futuro dos meus netos, que me encontro mais uma vez nesta nobre sala, a desabafar sobre estes temas.
Vejamos agora a opinião de algumas personalidades, realmente representativas da sociedade portuguesa ou latina, que vou citar brevemente, para ilustrar o que acima disse e que mostram que nem todas as pessoas desconhecem, ou intencionalmente esquecem o que fomos e o que poderemos ser no futuro.
Transcrevo da Apresentação do acima referido Atlas da Língua Portuguesa, publicado em 1992, feita por Philipe Rossillon, Secretário Geral da União Latina:
"Portugal foi, e continua a ser, o mais pequeno e menos povoado destes países (tinha-se anteriormente referido aos quatros países europeus fundadores de outros tantos impérios). A audácia, a coragem, o ardor no trabalho e a capacidade de diálogo dos homens e das culturas, superam a falta de efectivos e a relativa fraqueza de meios materiais. As virtudes portuguesas e a dos povos lusófonos, permitiram criar um conjunto cem vezes mais vasto e vinte vezes mais povoado que a Lusitânia.".
E mais adiante: "Será que os Portugueses estão conscientes que a sua língua pode vir a ser um instrumento de comunicação internacional e ter um lugar nos sistemas de ensino estrangeiros dos vários continentes e subcontinentes?".
Vejamos em seguida algumas ideias expressas numa colectânea de textos, escritas por uma personalidade muito interveniente na vida pública portuguesa nas últimas quatro ou mesmo cindo décadas, da qual revelarei o nome no fim:
– Referindo-se aos textos que publica, afirma que os une “… uma afinidade:
versarem sobre gente que fala, e lugares onde se fala, português. É a nossa preciosa língua – que desde muito novo adoro e cultivo … À medida que fui amadurecendo, dei por mim a adorar também as sete partidas em que o português é falado.”.
– E mais adiante: “A língua portuguesa, caldeada em todos os azimutes do ignoto e em todas as seduções do revelado, ganhou contornos de universalidade. É hoje uma síntese de civilizações, após ter bebido em todas elas.
– A propósito do seu encanto pelo portentoso Brasil afirma: “A mesma – mas reforçada – sensação de espaço sem limite. Espaço que o génio português legou unido aos seus irmãos brasileiros. Lograram estes mantê-lo uno enquanto a América espanhola se fraccionava em dúzia e meia de novos estados. É essa a obra-prima do génio luso. Mais justamente: luso-brasileiro.”.
– Referindo-se a África refere que: “… do consequente caldeamento de raças e de sangues, a que não foi alheio o impulso dos afectos e até a bênção dos poetas, surgiu a mestiçagem, que não sendo exclusivamente luso-africana, começou por predominantemente o ser. Luso tropicalismo lhe chamou o erudito Gilberto Freire.”.
Pois estas considerações não são do cardeal Cerejeira, de Franco Nogueira ou de Marcelo Caetano, mas sim de António de Almeida Santos, que discute, na sua colectânea intitulada Paixão Lusófona, publicada em 2001 pela Imprensa Nacional- Casa da Moeda, a razão dessa sua paixão. São feitas inúmeras considerações relativas à já instituída comunidade de povos de língua portuguesa, e diversas orientações doutrinárias sobre a sua evolução. São também feitos comentários ao colonialismo, ao que considera erros do regime anterior na condução da guerra, ao vinte cinco de Abril, e outras considerações semelhantes, não me revendo eu na maior parte destas últimas considerações.
Permitam-me que refira agora um grande pensador da nossa cultura, infelizmente já falecido, o Professor Agostinho da Silva. Admiro este homem e sou um incondicional adepto das suas ideias. Um dos melhores meios que os interessados que ainda o não conhecem poderão ter para bem conhecerem a sua obra e o seu pensamento, será o de seguir os estudos feitos por Epifânio da Silva, A Via Lusófona, publicada em 2010 pela Zéfiro, em Lisboa.
A leitura de um seu recente trabalho, que corresponde à publicação em papel de uma selecção de textos que o autor publicou numa dessas modernices chamadas blogue, é para mim música celestial.
E digo isto a sério, visto que as ideias lá expostas equivalem ao que penso. Permitam-me que cite algumas dessas ideias que correspondem a contributos para um reajustamento da condução da nossa vida política, dando ao espaço humano, geográfico, cultural e económico da lusofonia o lugar que devia ter.
- … Portugal, depois do 25 de Abril, quis fazer um corte com todo o seu passado. Exausto da guerra colonial (a maior razão para o golpe de estado), voltou as costas a todo o Ultramar (com algumas consequências bem trágicas), e empenhou-se em "regressar à Europa". Daí essa obsessão de ter a Europa connosco ou ser um bom aluno Europeu.".
A propósito de ser bom aluno europeu eu vi na televisão a chanceler Ângela Merckel, há poucas semanas, a dar aqui ao lado, um trabalho de casa ao primeiro-ministro Zapatero.
– Continuando a citar Epifânio da Silva:
"Passados já mais de trinta anos sobre o 25 de Abril, saradas (ou a caminho disso), as feridas do lado de cá e de lá, com uma nova geração já nascida depois de tudo isso, é tempo de refazer as pontes … Refazendo as pontes com o mundo lusófono, Portugal não está, pois, a renegar a sua condição europeia, mas, ao invés, a cumpri-la: tal como o fazem, de diferentes modos, as outras potências europeias …".
– A propósito da sobrevivência de Portugal:
“… o risco maior à nossa independência seria a língua portuguesa ficar confinada ao nosso território (falamos sempre no plano do médio-longo prazo). Daí a aposta estratégica na lusofonia: é do nosso interesse que a língua portuguesa se continue a falar nos diversos países da CPLP. E também, ponto decisivo, para os outros países da CPLP. Para os países africanos de língua oficial portuguesa, por exemplo, é a língua o grande factor de coesão nacional. Por isso, acredito no futuro da lusofonia.
Tanto mais porque essa plataforma linguística tem virtualidades outras (económicas por exemplo), ainda não de todo exploradas. Por isso em suma, acredito no futuro de Portugal.”.
Conclusões
Partilho todas as ideias expostas acima com os seus autores. Aliás, para quem leu o meu modesto trabalho de 2007 publicado na revista Independência ou uma comunicação que tive oportunidade de fazer numas Jornadas do Mar organizadas pela Câmara Municipal da Nazaré em 2005, poderá verificar a justeza desta afirmação.
Além de partilhar estas ideias, estou muito preocupado com o futuro da nossa terra, como aliás devem estar quase todos os presentes nesta sala.
E vimos acima que uma das saídas possíveis poderá ser a via lusófona.
Contudo por razões que todos nós conhecemos, é a nossa integração na Europa que ocupa a maior parte das mentes pensantes do nosso país. Sobre este assunto veja-se um excerto da minha comunicação em 2007, quando comentava a facilidade com que os portugueses aceitaram essa integração:
E é muito fácil convencer o povo a aceitar soluções deste género, visto que até agora a Europa foi uma benevolente fornecedora de dinheiro que, é conveniente assinalar, não corresponde ao esforço produtivo da Nação Portuguesa. Esse dinheiro, a fundo perdido, tem de facto como objectivo a harmonização das economias dos diferentes países, mas a maioria dos votantes apenas sabe que o capital entra, e enquanto entrar não se opõe nas urnas a outras soluções.
E é facílimo também convencer os nossos representantes eleitos ou nomeados para servir nos organismos comunitários na Europa, por razões que não me atrevo a esclarecer, ou que são de desnecessário esclarecimento!
Nada mais actual. Mas agora rebentou-nos a castanha na boca. E perguntamos: Que fazer? Será resignarmo-nos a ter como primeira-ministra Angela Merckl e como Presidente da República Carla Bruni? Apesar de apoiar muito mais a ocupação do segundo cargo aqui exposto pela personalidade mencionada, por razões estéticas, tenho esperanças que poderá haver outra solução.
Francamente tenho muita fé numa ligação cada vez mais profunda aos povos que connosco iniciaram uma caminhada a partir do século XV e que só terá tendência para continuar.
Nessa caminhada já participam os oitos estados da CPLP, e por estranho que pareça pretendem acompanhá-los a Suazilândia, as Ilhas Maurícias, o Senegal, a Guiné Equatorial, a Indonésia, a Austrália, não esquecendo a tão próxima Galiza!
E evidentemente não é apenas pelos lindos olhos dos falantes de português. É naturalmente por reconhecimento da importância estratégica de uma comunidade de povos espalhados por todos os continentes e que detêm nos seus territórios vastas riquezas materiais, além das culturais.
A atitude dos estados que pretendem acompanhar-nos nesta caminhada não é mais do que a de seguir o princípio fundamental, por vezes esquecido, da defesa dos interesses dos seus povos. Foi aliás a razão que nos levou, e aos outros povos que se expandiram, a sair dos seus espaços de origem.
É claro que vai demorar tempo a consolidar e executar acções concretas, que produzam resultados palpáveis. Mas na realidade o tempo urge. Os últimos acontecimentos sociais e económicos, na Europa e no mundo, demonstram-no.
Algo se tem feito em Portugal. A CPLP tem evoluído, os seus membros têm sido cada vez mais pragmáticos, os desejos de adesão de outros povos também têm sido encorajadores.
Apesar de o complexo pós-colonial continuar a existir e estar profundamente imbuído nas elites que nos governam actualmente, a nossa política externa parece estar cada vez mais convencida da necessidade de aprofundar as relações com o Brasil, com Angola, com Cabo Verde, com Moçambique. E muitas acções se têm levado a cabo e o tecido empresarial tem sido crescentemente actuante nesses e noutros territórios.
Contudo vou dar-vos apenas um exemplo dos muitos que tenho constatado, em consequência das viagens que pelo mundo lusófono e não só, nos últimos 20 anos tenho feito.
Refiro-me à Tailândia, que este ano comemora os 500 anos do tratado que efectuou com Portugal, a primeira potência europeia com quem teve relações oficiais. Tivemos oportunidade, de visitar a bela e digna embaixada, oferecida a Portugal pelo estado Siamês no século XIX.
Nessa embaixada trabalham, além do casal Embaixador, muito poucos funcionários. E a responsabilidade diplomática abrange uma enorme área do sueste asiático, onde as trocas diplomáticas culturais e económicas seriam extremamente produtivas. Toda aquela área do globo está cheia de salpicos do nosso sangue, pertencentes agora às sociedades dos chamados tigres Asiáticos. Francamente custa-me só ouvir falar na intensificação das nossas relações com a Venezuela, onde na realidade vivem e trabalho meio milhão de Portugueses. Mas e na Malásia, na Tailândia, na Coreia, na Indonésia, e na Índia?
Não sei se se terá demonstrado algum interesse por parte do estado português, uma vez que o Senhor Embaixador na Tailândia não tem ajuda praticamente nenhuma nas suas funções.
Na época actual, é um lugar-comum afirmar que a culpa de tudo quanto de mal se passa no nosso país é da classe política. Há quem preconize a solução que apresentei acima de sermos administrados por outros europeus.
Mas não será o conceito de incriminar desdenhosamente os políticos, perdoem-me a dureza do termo, algo hipócrita? De facto, como é possível fazer política sem políticos, ou como é também possível a democracia sem partidos?
Antes, no antigo regime, também havia partidos: o Partido Comunista, na clandestinidade, e a União Nacional! Portanto, não exageremos.
É claro que eu gostaria que não houvesse tantas pessoas a amanhar-se, desculpemme o termo, durante o exercício da actividade política.
Mas o que é verdade é que a actividade política é nobre, a dificuldade é encontrar essa nobreza nos que até agora nos têm governado, e refiro-me principalmente à época depois da revolução dos cravos.
Acentue-se que nem todos se comportam da mesma maneira, mas não há dúvida que partidos e políticos têm que existir. Contudo, o que é fundamental é haver uma profunda mudança de atitude perante o serviço público.
E por isso, algo terá que mudar em Portugal.
Às vezes vejo na televisão os parlamentares britânicos a discutirem em instalações que parecem um armazém. Os deputados acotovelam-se em bancadas que mais parecem as que estão desenhadas para praças de touros, apesar de terem algum estofo. Não vejo à sua frente nenhum computador e até não sei se têm microfone. Mas esta é por ventura, a Câmara dos Comuns. A dos Lordes deve ter mais palamenta. Em Portugal só há a dos Lordes!
Também agora, com a internet, todos nós sabemos quanto ganham e quais as regalias dos gestores públicos em Portugal. Apesar de isso ser uma gota de água no orçamento, visto que o que essencialmente conta são as centenas de milhar de pessoas que ganham muito pouco, não será imoral? Parece-me que muitas coisas se terão de copiar do antes do vinte e cinco de Abril.
É fácil achar exemplos de boa administração dos dinheiros públicos durante essa longa noite, se se quiser procurar. Mas mesmo que queiram, como estava tudo escuro e cinzento, ninguém vê.
Admitindo que a política não deva ser uma profissão, princípio que advogo, e admitindo também que há muitas profissões e cargos que não requerem tanta mordomia, proponho o seu recrutamento para cargos públicos.
Refiro-me, por exemplo, aos militares. E só falo nesta profissão por ser a que conheço melhor. Vejamos por exemplo os da Armada. O comandante de um submarino, que tem sob a sua responsabilidade as vidas de dezenas de pessoas e a segurança física de uma dispendiosa máquina de guerra que tanto custou a adquirir, não tem secretária, telemóvel, automóvel, assessor. Contudo cumpre a sua missão com humildade e ninguém sabe quem ele é.
E o comandante de uma fragata, que agora é só electrónica e mísseis, tudo muito caro! E que possivelmente ganha menos que um maquinista da CP!
Tenho a convicção, talvez deturpada pela minha formação, que é tal a honra que devemos ter em praticar com dignidade o serviço público, que não deverão ser necessárias as mordomias ou chorudos ordenados para aliciar personalidades para o cargo. Porque, diga-se de passagem, o argumento de quem sanciona a despesa com os ordenados é que não se conseguirão recrutar pessoas de qualidade, dada a concorrência privada.
Mas continuando, muito haverá a mudar para seguirmos em frente. E não valerá a pena a chamada sociedade civil clamar aos quatro ventos o caminho a seguir se não houver executores da política preconizada. Por isso mudemos de paradigma como soe dizer-se actualmente.
Quero apenas reiterar a minha convicção de que se deve apostar na lusofonia nos termos expostos acima e de acordo com as opiniões das personalidades que acima referi e de tantas outras pessoas que pensam da mesma maneira. Mas para isso, um dos pilares da nova expansão portuguesa será a difusão e expansão da nossa língua.
Sabemos que custa dinheiro, mas poderei dar-vos uma solução para isso, de entre as muitas que se deverão equacionar: desviar o dinheiro que se irá esbanjar com a projectada e praticamente assente regionalização, no Instituto Camões.
Seria a substituição de uma catástrofe por um renascimento. Se a difusão da língua não abrandar, os empresários segui-la-ão.
Resta-me agradecer a dizer como diria, teria mesmo de ser, Fernando Pessoa:
Ó Mar Salgado, quanto do teu sal são palavras de Portugal.
S.H.I.P., Palácio da Independência, 2011 José Manuel Malhão Pereira
1 Baseei-me essencialmente no Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo.
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