José Ribeiro e Castro
O Tratado de Londres de 1373, que estamos a celebrar, é um pilar de uma surpreendente manifestação geopolítica de grande alcance. É formidável. Uso propositadamente esta palavra: geopolítica. É uma palavra que não existia na altura, no final da Idade Média – nem o seu conceito, a sua simples ideia. E, no entanto, a Aliança Luso-Britânica é disso que se trata: pura geopolítica.
As circunstâncias que precederam imediatamente este Tratado não são particularmente brilhantes do ponto de vista da nossa história: envolvermo-nos na disputa por outras coroas na Península Ibérica nunca foi sensato para nós; e poderia parecer um convite para que outros viessem disputar a nossa própria coroa. Mas o Tratado, em si mesmo, é um bom tratado: consolida e consagra uma experiência de boas relações que já existia há dois séculos, desde o início do nosso reino independente, em meados do século XII. É um tratado de paz, de amizade e de aliança contra os inimigos de ambos as partes, prevendo a ajuda militar mútua quando necessário.
O tratado seguinte, o Tratado de Windsor de 1386, foi precedido de circunstâncias particularmente brilhantes – aliás, testadas no campo de batalha em defesa da nossa independência nacional – e seguido de factos não só bastante brilhantes, mas de invulgar excelência: o casamento do nosso rei D. João I com Filipa de Lencastre e os extraordinários filhos que tiveram, geração que resultaria, entre outros feitos, no início dos Descobrimentos.
Volto à palavra que usei no início: geopolítica. Basta olhar para o nosso mapa para perceber imediatamente a inteligência geopolítica desta aliança. É apenas natural que um grande reino localizado na maior ilha da Europa, no Noroeste do Continente, procurasse relações privilegiadas e uma aliança com outro reino localizado no extremo ocidental do Continente, na península mais ocidental da Europa – e vice-versa. O grande reino insular nunca ambicionou ser um império continental europeu e foi, por vezes, a salvação do reino peninsular contra ameaças, ataques e invasões de impérios continentais. E este reino peninsular foi várias vezes um porto seguro para o grande reino insular. Os dois reinos compartilhavam uma riqueza além da terra: o mar, o imenso mar oceânico e o poder da navegação.
Hoje, quando olhamos para 650 anos atrás e vemos tudo o que esta aliança foi e é – “a mais antiga aliança diplomática ainda em vigor”, como costuma dizer-se – não podemos ter a fantasia de imaginar que D. Fernando e Eduardo III ou D. João I e Ricardo II tiveram a visão de antecipar e adivinhar tudo o que viria a ser.
É evidente que não. Os tratados, nomeadamente o de Londres, foram ditados sobretudo por pragmatismo. Mas penso que tenho razão em pensar que eles também foram determinados pelo instinto; e esse instinto foi uma inspiração muito boa: um instinto geopolítico. É o que melhor se vê no Tratado de Windsor, que acrescenta à dimensão da defesa a liberdade de comércio e trânsito dos ingleses e portugueses no território da outra parte – uma cláusula de livre circulação que já tinha antecedentes algumas décadas antes e que antecede em vários séculos a presença de ambos os países no Acordo Europeu de Comércio Livre (EFTA), a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a União Europeia (UE).
Termino, pois, com uma breve nota inspirada nestes 650 anos de Aliança Luso-Britânica. Respeito plenamente, sem qualquer tipo de reserva, a soberania do Reino Unido e a total liberdade das suas decisões. Mas, para dizer a verdade, tive pena de assistir ao Brexit e tenho saudades do Reino Unido na União Europeia. A UE não é a mesma sem os britânicos. Sinto-me um pouco só. Anseio imensamente pelo dia em que iremos – mais uma vez juntos – partilhar a construção e o funcionamento do mesmo projeto europeu. É a ordem natural da geopolítica.