IX Centenário da Batalha de São Mamede e da Fundação de Portugal 1128 – 2028

Batalha de São Mamede pormenor Batalha de São Mamede pormenor
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Florentino Cardoso

1

É incontestável que no dia 24 de Junho de 2028 se completarão 9 séculos sobre a batalha de S. Mamede. E também é inquestionável que essa peleja guerreira se desenrolou em território vimaranense, como tão gloriosamente o cantou CAMÕES(1):

De Guimarães o campo se tingia
co sangue próprio da intestina guerra,
Onde a mãi, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor e a terra.


No século passado a cidade de Guimarães assinalou a efeméride da passagem do seu VIII centenário, mas fê-lo de urna forma muito singela, desorganizada e até polémica. De facto, com base num manuscrito de João Lopes de Faria, Amaro das Neves (2) relata que no dia 14 de Abril de 1928 a estátua de D. Afonso Henriques, que ainda se encontrava no centro do Largo do Toural, apareceu coberta de crepes e com um letreiro que dizia “Inditosa pátria que tais filhos tens…” Este figurado lamento real, com palavras épicas, deveu-se à controvérsia gerada no seio das entidades organizadoras e pôs em risco a respectiva comemoração.

Segundo o referido autor, a preparação dos festejos terá começado com urna reunião na Sociedade Martins Sarmento, no dia 12 de Abril de 1928, em que foi designada a Grande Comissão do 8.º Centenário da Batalha de S. Mamede, de que faziam parte a Câmara Municipal, o Comando Militar, a Sociedade Martins Sarmento, o Arcipreste, a Associação Comercial e Industrial de Guimarães, o Reitor do Liceu Nacional de Martins Sarmento, o Director da Estação dos CTT, a Escola Industrial de Francisco de Holanda, a Sociedade de Defesa e Propaganda de Guimarães, o presidente da Academia Vimaranense, o Sindicato Agrícola de Guimarães, o Inspector Primário, a Associação Artística Vimaranense, a Associação dos Empregados de Comércio, um representante dos Alunos da Escola Industrial de Francisco de Holanda, a Comissão do Núcleo de Scouts e, pela Imprensa, o padre Gaspar Roriz.

Esta comissão teve vida curta e atribulada, pois as três entidades mais relevantes do Concelho, a Câmara Municipal, a Sociedade Martins Sarmento e a Associação Comercial e Industrial de Guimarães não compareceram à reunião que tinha sido marcada para o dia seguinte ao da constituição, 13 de Abril, o que motivou um protesto público materializado com a colocação dos aprestos fúnebres na estátua do Primeiro Rei.

As divergências foram, no entanto, ultrapassadas porque, três dias depois, a Câmara Municipal ter-se-á “chegado à frente” e tudo se recompôs, seguindo-se de imediato uma subscrição pública para angariação de fundos em todo o concelho e a batalha de S. Mamede foi comemorada em Guimarães pela primeira vez. Todavia, as grandes manifestações públicas só aconteceram nos dias 7 e 8 de Julho e não no dia 24 de Junho como seria lógico.

Não tivemos oportunidade de indagar os ecos produzidos na imprensa pelos festejos propriamente ditos, mas verificámos que houve importantes contributos intelectuais por parte de personalidades das mais variadas áreas culturais, sociais e políticas, que nos chegaram através da edição de Julho e Agosto de 1928, da revista “Ilustração Moderna”.

A principal nota que se pode tirar da análise deste documento é que ficou bem assinalado o direito que assistiu à cidade de Guimarães de promover a comemoração do VIII centenário da batalha de S. Mamede, como se depreende das palavras deixadas por Vitoriano José César (3):

“A cidade de Guimarães vai celebrar o oitavo centenário da batalha de S. Mamede. Ainda que tardio, é um justo preito à memória do herói, que foi o fundador da monarquia portuguesa. À cidade de Guimarães, que foi o berço do grande rei e da incipiente monarquia, pertencia o direito de fazer essa celebração, Bem hajam os vimaranenses, cumprindo esse dever de honra”.

E a cidade tê-lo-á feito de modo a honrar a gloriosa memória da batalha e os seus pergaminhos históricos, como decorre do testemunho de F. Gomes Teixeira: (4)

“Poucas cidades existem em Portugal que sejam notáveis sobre tantos aspectos diferentes como Guimarães (…). No cimo da colina em que se assenta levanta-se o seu velho castelo e uma pequena capela a recordar que foi aqui o berço de Portugal: é uma cidade histórica, é a cidade santa dos portugueses!
Essa colina recorda a batalha de S. Mamede, que nela se deu e cujo oitavo centenário Guimarães vai celebrar com festas apropriadas.
É-me muito agradável consignar aqui tudo isto e saudá-la nesta ocasião de gloriosa memória para ela e para Portugal”


O segundo apontamento é que, apesar de ter sido uma celebração de nível municipal, a cidade de Guimarães conseguiu afirmar perante as autoridades nacionais que a batalha de S. Mamede foi o acto gerador de Portugal como Nação e como Estado independente. São expressivas as palavras de Júlio Ernesto de Morais Sarmento (5), o Ministro da Guerra daquele tempo, sobre o papel de Guimarães na afirmação da importância deste acontecimento histórico:

“A batalha de S. Mamede travada em 1128 foi indubitavelmente a primeira manifestação da PÁTRIA que queria ser livre e livremente talhar os seus destinos.
Foi colossal essa batalha pelo lugar que abria ao povo português, na História do mundo e foi-o igualmente pelo glorioso esforço desenvolvido para conquistar essa Independência, nata na alma portuguesa, indomável pela energia que desenvolveu na conquista e conservação dos seus ideais. Para tal conseguir foi necessário que Afonso Henriques se revoltasse contra sua mãe, quebrando laços de amor filial, buscando para isso força e alento no mais sublime amor à terra onde nascera. Volvidos oitocentos anos, devemos reconhecer, com entusiasmo, que os superiores ideais da Pátria se mantêm íntegros na Alma Nacional. Agora, corno noutros tempos, como sempre, esta alma reage, com vigor, contra tudo e contra todos, sempre que os seus Ideais sagrados sejam ameaçados: Recordá-lo nunca é demais, e por isso Honra e Glória à nobre cidade de Guimarães que nos chama a atenção para tão notável data”.


E o reflexo da imagem deixada por Guimarães perdurou por muito tempo, sendo ainda notado quando a cidade se preparava para participar na comemoração do Duplo Centenário que o antigo regime resolveu promover em 1940. Como transparece das palavras de Alberto D’ Oliveira (6), estava bem fortalecida nos portugueses a relação causal entre a batalha de S. Mamede e a Fundação de Portugal:

“Em verdade, todos os Portugueses são, em certa medida, vimaranenses, pois foi ali, na decisiva batalha de S. Mamede, que raiou a aurora da Pátria, e foi dentro dos muros da fidalga vila que se desdobraram os primeiros capítulos da nossa existência. O Dia Um de Portugal foi em Guimarães e ninguém lhe pode disputar tal primazia”.

Apesar de o VIII centenário não ter merecido as devidas honras nacionais, a batalha de S. Mamede foi unanimemente apontada como a causa da independência nacional, pelos que naquela ocasião sobre ela se pronunciaram.

Obra artística do vimaranense António-Lino (1914-1996) sobre a Batalha de S. Mamede. É também da sua autoria a Obra (“O Anjo de Portugal”) que serviu de base ao logótipo da revista 9Séculos.

2

Só passados doze anos, em 1940, é que Portugal comemorou com grande pompa o oitavo centenário da Fundação Nacional, mas completamente fora do contexto histórico/cronológico.

Segundo rezam as crónicas, as chamadas, FESTAS CENTENÁRIAS de 1940 tiveram origem num editorial publicado no «Diário de Notícias» em 20 de Fevereiro de 1929, escrito pelo Dr. Agostinho Campos e sob o título “1140-1640-1940”. Neste artigo, o seu autor reportou uma carta anteriormente recebida do correspondente do jornal em Bruxelas, em que se alinharam aquelas três datas com o intuito de desafiar o país a comemorar, em 1940 e de forma simultânea, o oitavo centenário da Fundação, o terceiro centenário da Restauração da independência nacional e, ainda, o “renascimento” do país em resultado do golpe militar de 1926. Tal era o significado atribuído àquela “trilogia de efemérides” referenciadas pelos anos de 1140, 1640 e 1940!

Quanto à efeméride de 1640 não há qualquer reparo a fazer, porque se trata do ano em que, de forma insofismável, foi restaurada a independência de Portugal. Já quanto aos anos de 1140 e 1940 não se encontra explicação histórica, rigorosa e plausível, para se ter comemorado o que se comemorou.

De facto, a carta do correspondente em Bruxelas, Dr. Alberto Oliveira, introduzia o assunto com a seguinte interrogação:

“Não seria conveniente escolher entre as várias datas contidas no período de formação da nacionalidade portuguesa uma qualquer que servisse para comemorarmos com grande solenidade e a suficiente preparação, o oitavo centenário da fundação de Portugal?”

E a resposta do próprio foi do seguinte teor:

“A de 1140 tinha a meu ver a vantagem de coincidir centenariamente com a de 1640, data da independência restaurada; e assim, poderíamos celebrar a grande comemoração em 1940, isto é, daqui por onze anos, com muito tempo, portanto, para nos prepararmos devidamente.”

Como se vê, o ano de 1140 foi escolhido, não por ser o ano da fundação, mas apenas por estar contido no período de formação da nacionalidade e por coincidir no plano meramente cronológico com 1640!

Quanto a 1940, o autor vislumbrou-o como o ano apropriado para celebrar o “renascimento” de Portugal como corolário do golpe militar de 28 de Maio de 1926, ao afirmar:

“As palavras do nosso correspondente equivalem a dizer (e a desejar com exemplar ardor patriótico) que, assim como entre 1129 e 1140, mais ano menos ano, se elaborou o nascimento de Portugal, assim de 1929 a 1940 poderia a geração actual, se quisesse, empreender o seu renascimento. Quererá?”.

A verdade é que quis, pois com a chegada de Salazar ao poder em 1932 e com a instauração do Estado Novo, esta ideia foi aproveitada por António Ferro, Secretário da Propaganda Nacional, para lançar a grande manifestação de exaltação do regime que foram as chamadas “Festas do Duplo Centenário”, ou popularmente, “Festas Centenárias” e que estiveram na origem da Exposição do Mundo Português em 1940, realizada em Lisboa entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940.

As palavras de António Ferra são bem elucidativas quanto aos verdadeiros propósitos das comemorações do duplo centenário:

“…1140 explica 1640, como 1640 prepara 1940. São três anos sagrados da nossa história, o ano do crescimento, o ano do renascimento e o ano apoteótico do ressurgimento! O que vamos festejar não é, portanto, apenas, o Portugal de ontem mas o de hoje, não é apenas o Portugal de D. Afonso Henriques e D. João IV, mas o Portugal de Carmona e Salazar (…) agora sim, porque o passado já não pesa tanto sobre o nosso presente, porque o passado e presente se medem e igualam.”

Como se sabe, a cidade de Guimarães também foi palco destas comemorações no dia 4 de Junho de 1940, com a presença do Chefe de Estado Óscar Carmona e de Salazar, que viajaram de Lisboa até Guimarães em comboio especial e com paragens em várias estações da linha do norte para receberem os aplausos regimentais dos populares.

Maria Adelaide Pereira de Moraes descreveu esse dia desta forma:

“Castelo de Guimarães, as cores da Fundação a avivá-lo, tropa e trombeteiros medievais a guarnecê-lo, clarins a soarem em toque de sentido, destaca-se na manhã de 4.6.1940, Junto às suas muralhas, perante o altar de prata oferecido por D. João I a Nossa Senhora da Oliveira, celebra a santa missa o Senhor Arcebispo Primaz. Guimarães, onde a Pátria nasceu, ajoelha. Portugal, nascido em Guimarães, reza.”


Note-se que toda a intervenção que foi desenvolvida na zona do Castelo e que a transformou naquilo que hoje se designa como Colina Sagrada, ocorreu a propósito ou como consequência deste evento.

A intenção da realização destas comemorações foi formalizada por Salazar através de uma nota oficiosa de Março de 1938, com as seguintes palavras de abertura:

“No ano que vem — 1939 — pode dizer-se que faz 800 anos Portugal, contada a sua independência desde que D. Afonso Henriques se proclamou rei pela primeira vez. Em 1940 passa por seu turno o terceiro centenário da Restauração, ou seja o terceiro centenário da reafirmação, solenemente selada com o sangue de muitas batalhas, da mesma independência”.

Terá ficado cabalmente demonstrado que a escolha do ano de 1940 para comemorar a Fundação de Portugal foi completamente destituída de sentido, logo a partir da ideia inicial. Recorde-se que o seu autor a apontou, apenas, porque “tinha a vantagem de coincidir centenariamente com a de 1640”. Por seu turno, Salazar na nota oficiosa referiu-se a 1939 como o ano do nascimento de Portugal, mas não o fez de uma forma muito convicta nem rigorosa no plano histórico.

Assim sendo, pode-se concluir que no século passado Guimarães comemorou o VIII centenário da batalha de S. Mamede em 1928 e o da Fundação Nacional em 1940, como se aquela não tivesse sido a causa directa e necessária desta.

E agora que nos aproximamos do dia 24 de Junho de 2028, atrevemo-nos a perguntar: – Como é que Guimarães e Portugal irão comemorar, neste século, o IX Centenário da batalha de S. Mamede e da Fundação Nacional?

3

Como demonstrámos, a Fundação de Portugal nunca foi comemorada em sintonia e coincidência com a batalha de S. Mamede, o facto histórico que lhe deu origem e, por isso, existe aqui uma lacuna que os vimaranenses e os portugueses têm obrigação de colmatar no presente século.

Embora Guimarães deva ser, por direito próprio, o epicentro das comemorações, o NONO CENTENÁRIO DA BATALHA DE S. MAMEDE E DA FUNDAÇÃO DE PORTUGAL terá de ser um desígnio nacional, porque a circunstância de um país completar 9 séculos de existência é um caso raro ou único na Europa e no Mundo, se levarmos em conta que a identidade política de Portugal é perfeita, porque sempre assentou ao longo dos séculos no mesmo Povo, na mesma Nação, no mesmo Estado.

Todavia, antes de ser um desígnio nacional, para que esta comemoração possa colocar a cidade de Guimarães como o epicentro das festividades, tem de começar por ser um desígnio municipal, em que Guimarães se esforce por mostrar o lugar que ocupa na História e por revelar aos portugueses a verdadeira idade de Portugal, de forma a produzir nas suas mentes uma onda de orgulho nacional e patriótico.

Para aqueles que não valorizam a importância da idade do nosso país, aproveitamos para lembrar o discurso proferido pelo Senhor Presidente da República no dia 18 de Março de 2020, depois de decretar o Estado de Emergência por causa da Pandemia do COVID-19.

Na primeira parte do discurso, o Senhor Presidente disse:

“E os Portugueses, com a experiência de quem já viveu tudo numa História de quase nove séculos, disciplinaram-se, entenderam que o combate era muito duro e muito longo e foram e têm sido exemplares”.

E na parte final afirmou:

“Na nossa História, vencemos sempre os desafios cruciais. Por isso temos quase novecentos anos de vida”.

Por que razão terá o Senhor Presidente da República invocado, por duas vezes (o realçado é nosso) os «quase nove séculos» de Portugal, no contexto de um discurso tão dramático como este?

Que cada um dos leitores peça a si próprio uma resposta para esta pergunta. No entanto, para nós, esta referência que o Senhor Presidente da República fez aos “quase novecentos anos” de vida de Portugal num momento tão dramático como o que se Vive com a pandemia do COVID-19, significa que ele entende o país como uma Nação muito antiga, possuidora de fortíssimos factores agregadores capazes de fazerem despertar uma energia positiva, especialmente nos momentos de crise ou provação, como o que os portugueses agora estão a viver. E está nas melhores condições políticas para ser medianeiro na fixação da data de nascimento de Portugal.

4

Mas antes de mais é preciso demonstrar que Portugal completará 900 anos no dia 24 de Junho de 2028.

Efectivamente, a cidade de Guimarães é o lugar onde D. Afonso Henriques travou a batalha de S. Mamede e derrotou os partidários de sua mãe, tendo sido a partir desse momento histórico que ele iniciou, de forma decisiva e inabalável, o processo de ruptura com a suserania do primo Afonso VII — rei de Leão, Castela e Galiza que conduziu à independência de Portugal.

Segundo José Mattoso, a batalha de S. Mamede foi o acto fundador da nacionalidade, ou dito de outro modo, o facto histórico que marcou o início da consciência pátria que daria lugar à futura constituição do reino.

Com efeito, o processo de formação de Portugal decorreu num período histórico situado entre os dias 24 de Junho de 1128 e 3 de Maio de 1179, ou seja, entre a batalha de S. Mamede e a Bula «Manifestis Probatum» do Papa Alexandre III. Neste período de 51 anos, houve outros episódios que contribuíram para a consolidação da política de independência implementada por D, Afonso Henriques, como por exemplo o Tratado de Tui (4 de Junho de 1137), a batalha de Ourique (25 de Julho de 1139), o Torneio de Valdevez (primavera de 1141), o Tratado de Zamora (5 de Outubro de 1143) e a Bula “DevotionemTuam” do Papa Lúcio II (l de Maio de 1144). Todavia, nenhum destes factos históricos foi mais importante que a batalha de S. Mamede para a consolidação da independência de Portugal, porque este foi o primeiro acto do processo de ruptura com a suserania de Afonso VII sobre o território portucalense. O combate em Ourique teve como adversários 5 reis mouros que não exerciam suserania sobre o território do então condado portucalense. Em Arcos de Valdevez o confronto com Afonso VII não passou de um bafordo, (ou de uma escaramuça como se diz na “Chronica Ghotorum“), pelo facto de D. Afonso Henriques ter violado o tratado de Tui e persistido na reclamação de terras e castelos da Galiza, a título de acervo hereditário. Os tratados de Tui e Zamora foram, precisamente, acordos de paz entre ambos os monarcas em consequência dos sucessivos ataques perpetrados por D. Afonso Henriques a castelos e terras da Galiza sob protectorado de Afonso VII. As duas bulas papais inscreveram-se no processo diplomático que D. Afonso Henriques implementou no sentido de conseguir que o Papa lhe aceitasse vassalagem directa, para assim afastar de vez, no plano internacional, a vassalagem a Afonso VII, que sempre recusou.

A “Chronica Ghotorum”, produzida no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra entre os séculos XII e XIII, refere que a batalha de S. Mamede ocorreu em Guimarães, no dia da festa de S. João Batista da era de 1166 e que D. Afonso Henriques ocupou o governo e a monarquia do reino de Portugal. Como se sabe, a era hispânica começou no ano 38 a.C. e, por isso, é necessário subtrair 38 a qualquer ano da era hispânica para se obter correspondência com o ano da era cristã. Ora, ao descrever os vários episódios da vida de D. Afonso Henriques, o cronista vai sempre referindo o respectivo ano do reinado, como se mostra no quadro seguinte, o que permite concluir que, Segundo a «Chronica Ghotorum», o ano de 1128 foi o primeiro ano do seu reinado. Logo, a batalha de S. Mamede é a verdadeira certidão de nascimento de Portugal!

O grande historiador José Mattoso refere se a ela como «A PRIMEIRA TARDE PORTUGUESA» e o pintor Acácio Lino representou-a com esse mesmo título numa pintura mural de 1922, no Palácio de S. Bento.

O grande historiador José Mattoso refere se a ela como «A PRIMEIRA TARDE PORTUGUESA» e o pintor Acácio Lino representou-a com esse mesmo título numa pintura mural de 1922, no Palácio de S. Bento.

A partir de 24 de Junho de 1128, D. Afonso Henriques assumiu o governo do território do Condado Portucalense com as prerrogativas e poderes próprios de um rei e com o propósito firme e determinado de assegurar a sua autonomia face ao primo Afonso VII e de romper os vínculos de vassalagem que o território até então manteve com ele, afirmando a sua legítima pretensão de o transformar em reino, Todos os descritos episódios não passaram de consequências da situação causada pela batalha de S. Mamede, que foi a afirmação de D. Afonso Henriques de domínio real sobre um território .

Portugal comemora a Restauração da Independência nos dias 1 de Dezembro, porque foi nesse dia do ano de 1640 que os Conjurados aprisionaram Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua e então Vice-Rainha de Portugal, e arremessaram pela janela do paço real o seu secretário de estado Miguel de Vasconcelos. Todavia, o reconhecimento da nossa independência por parte do Estado Espanhol e do Papa só aconteceu 48 anos depois, em 1688, com a assinatura do Tratado de Lisboa, entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha.

Por isso, todos os episódios ocorridos no reinado de D. Afonso Henriques posteriores à batalha de S. Mamede são consequência desta, porque sem ela Portugal não existiria! O nascimento foi sempre considerado o acto mais importante da vida, tanto para as pessoas como para as instituições.

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Foi Alfredo Pimenta, ilustre escritor, poeta, jornalista e político vimaranense; que convenceu Salazar a restaurar a «Colina Sagrada», a propósito das Festas Centenárias de 1940. Segundo Barroso da Fonte “os restauros da Capela de S. Miguel e do Castelo fizeram se a tempo de serem inaugurados por ocasião das Festas Centenárias”. O restauro do Paço ducal prolongou-se desde 1937 até 24 de Junho de 1959, data da inauguração. Só posteriormente foi definida a função que veio a ser dada ao palácio, de residência oficial do Presidente da República no Norte do país e de Museu.

Com o objetivo de conferir maior dignidade àquele espaço, por força do simbolismo histórico e patriótico que já tinha e que se pretendeu fosse reforçado a partir de 1940, realizaram-se também profundas obras de transformação na sua zona envolvente, designadamente na antiga Rua de Santa Cruz, retirando-se o casario que a compunha e deixando de pé apenas a capela do mesmo nome.

Mais tarde, quando a cidade comemorou o seu milénio, em 1953, a estátua de D. Afonso Henriques que se encontrava no centro do Largo do Toural, foi transferida para o lugar onde hoje se encontra, ficando enquadrada com a Capela de S. Miguel e o Castelo. Realizadas estas operações, aquele espaço adquiriu o aspeto que ainda hoje mantém e, volvidos mais de 60 anos, não tem merecido qualquer intervenção de valor significativo, pese embora ser a zona da cidade que tem registado maior procura turística.

Guimarães orgulha-se de ser «Berço da Pátria», mas o único sinal representativo desta sublime condição é a inscrição aposta na Torre da Alfândega que diz «Aqui nasceu Portugal».

Guimarães precisa de oferecer um sinal mais forte, mais vivo, mais emotivo e mais apaixonante. Um sinal que represente melhor a circunstância histórica de ter sido o lugar onde Portugal nasceu. Esse sinal pode ser representado pela estátua de D. Afonso Henriques – porque até foi ele o Pai da Pátria — mas tem de ser valorizado por algo mais que transmita o carácter sagrado do símbolo, que, infelizmente, até tem sido repetidas vezes profanado por vândalos que persistem em partir-lhe a espada.

A partir do século XX e como consequência das duas grandes guerras mundiais, tornou–se prática corrente as nações erigirem monumentos para honrar os soldados que morreram em tempo de guerra sem que os seus corpos tenham sido identificados. Em Portugal também se seguiu esta corrente, sepultando no Mosteiro da Batalha, no dia 9 de Abril de 1921, os dois Soldados Desconhecidos vindos da Flandres e da África Portuguesa, para representar os que deram a vida nos teatros de operações.

Não temos nada a opor a esta prática, que representou um memorial de gratidão justo pelo sacrifício heroico dos militares envolvidos e de todo o Povo Português. Mas sempre se perguntará se D. Afonso Henriques, o militar português a quem se deve a conquista da maior parte do território de Portugal continental, não mereceria também ser representado com a inextinguível “Chama da Pátria” que ele próprio acendeu no dia 24 de Junho de 1128 e honrado com uma guarda de honra prestada pelo exército português?

Já ouvimos o Senhor Presidente da Câmara manifestar o desejo de um dia a cidade de Guimarães ter D. Afonso Henriques representado numa estátua equestre numa qualquer praça ou espaço público. Não lhe postergamos o desejo, mas a verdade é que, se estivéssemos no seu posto, daríamos preferência à sacralização da estátua feita pelo grande escultor Soares dos Reis, através da introdução de elementos que reforçassem a carga simbólica que possui e a transformassem no sinal mais forte e mais vivo da imagem de Portugal.

Deste modo, propomos que, corno acto precursor do IX centenário da Batalha de S. Mamede e da Fundação de Portugal, a Câmara Municipal de Guimarães decida dotar a área desta estátua de uma cobertura transparente, de elegantes linhas arquitectónicas, que permita protegê-la dos actos perversos e ao mesmo tempo assegure condições para que no seu espaço envolvente se instale a «Chama da Pátria» e proporcione o necessário conforto para o funcionamento de uma «guarda de honra» a ser prestada pelo exército português.

6

– O dia 1 de Janeiro — Dia da Fraternidade Universal
– O dia 31 de Janeiro — Precursores e Mártires da República
– O dia 5 de Outubro — Heróis da República
– O dia I de Dezembro — Autonomia da Pátria Portuguesa
– O dia 25 de Dezembro — Dia da Família

Dois anos depois, em 1912, criou um sexto feriado nacional o Dia 3 de Maio — correspondente à data tradicional em que se observava a descoberta do Brasil.

Em nenhum destes feriados os ideais da Primeira República quiseram que se reflectisse o DIA DE PORTUGAL, o que não deixa de ser estranho.

De facto, foi a Ditadura Nacional que, em 1929, transformou o dia 10 de Junho – que era feriado municipal em Lisboa assinalando a morte de Camões em 1580 – em feriado nacional consagrado à FESTA NACIONAL (7).

Mais tarde, em 1952, este feriado da FESTA NACIONAL passou a ser também o DIA DE PORTUGAL, ao qual se acrescentou ainda o epíteto de DIA DA RAÇA, para se consagrar a ideia lançada por Salazar no discurso proferido no decorrer da inauguração do Estádio Nacional do Jamor em 1944.

Com a revolução de Abril, logo em 1975, o dia 25 de Abril passou a ser o DIA DE PORTUGAL (8). Porém, em Março de 1977, passou a ser observado também como DIA DE CAMÕES E DIA DAS COMUNIDADES. Em Março de 1978 o dia 25 de Abril foi renomeado DIA DA LIBERDADE e o dia 10 de Junho passou a ser DIA DE CAMÕES, DE PORTUGAL E DAS COMUNIDADES.

Apesar do preconceito instalado contra tudo o que tivesse ligações com o antigo regime, a verdade é que os governantes do período democrático não lograram ver que a figura de Luís de Camões foi aproveitada pelo regime autoritário, corporativo e nacionalista de Salazar para simbolizar a raça e não tiveram o necessário discernimento para retirar ao dia 10 de Junho o estatuto de DIA DE PORTUGAL, pese embora o muito respeito que é devido à memória do grande escritor.

Há outros dias no calendário nacional que apresentam melhores razões para serem DIA DE PORTUGAL do que o dia 10 de Junho, como por exemplo, o dia 5 de Outubro (Implantação da República e Tratado de Zamora), o dia 14 de Agosto (Batalha de Aljubarrota), o dia 7 de Junho (Tratado de Tordesilhas) e dia 1 de Dezembro (Restauração da Independência). Porém, como uma Nação não existe sem território e como a definição do nosso território começou com a batalha de S. Mamede, o dia 24 de Junho é aquele que se posiciona na primeira linha.

A “Grã Ordem Afonsina – Vida ê Obra do Rei Fundador”, associação criada em Guimarães em 13 de Fevereiro de 2019, dirigiu uma petição pública “on line” ao Senhor Presidente da Assembleia da República para que esta questão seja um dia discutida no Parlamento.

Nessa petição invoca-se que cada país tem, pelo menos no ocidente, um dia próprio para comemorar a Nação e que a maioria dos países escolheu para esse efeito a data da sua independência. Entre os sécs. XIV a XVII, a batalha de Ourique foi vista como o momento de aquisição da nossa independência, por se tratar de um facto sancionado pela visão miraculosa de Cristo. Mas, no sec. XIX, o historiador Alexandre Herculano restituiu à Batalha de S. Mamede o significado nacional, passando a ser o facto mais importante, por se tratar de uma acção colectiva, envolvendo a maioria dos senhores do Norte de Portugal, contra o domínio estrangeiro. Herculano chamou-lhe mesmo uma “revolução”. A mesma opinião tem o historiador José Mattoso. Daí que se considere este facto histórico como o mais adequado para a celebração do DIA DE PORTUGAL.

Saliente-se que o dia 24 de Junho é Feriado Municipal em Guimarães e em mais 32 municípios portugueses, a saber: Alcácer do Sal, Alcochete, Almada, Almodôvar; Angra do Heroísmo, Armamar, Arronches, Braga, Calheta, Castelo de Paiva, Castro Marim, Cinfães, Figueira da Foz, Figueiró dos Vinhos, Horta, Lourinhã, Mértola, Moimenta da Beira, Moura, Nelas, Porto, Porto Santo, Santa Cruz das Flores, Sertã, S. João da Pesqueira, Tabuaço, Tavira, Valongo, Vila do Conde, Vila Franca do Campo, Vila Nova de Gaia e Vila do Porto. Tudo isto para dizer que esse feriado nacional, a ser estabelecido, não teria grande significado na economia e o orçamento do Estado.

“Guimarães quer feriado nacional a 24 de Junho” foi manchete num jornal diário nacional a propósito da Feira Afonsina. O Presidente da Câmara Municipal de Guimarães declarou: «Queremos, convictamente, que o Dia Um de Portugal (24 de Junho) seja data adoptada como feriado nacional, por ter sido o momento que se despoletou todo o processo da fundação de Portugal. Nada melhor que um evento com a importância da Feira Afonsina para o evidenciar.

Reconhecemos que não é fácil convencer a classe política nacional sem que se desenvolvam em Guimarães acções importantes que consigam dar visibilidade à data. A Feira Afonsina é necessária, mas não é suficiente. Como também não é suficiente a petição pública lançada pela Grã Ordem Afonsina. Guimarães tem de pôr os olhos no dia 24 de Junho de 2028 e envolver as forças vivas da Cidade para, dentro de um plano integrado e realista, com uma forte orientação e liderança, se constituir uma estrutura de missão que desenvolva os esforços necessários e adequados ao prosseguimento destes objectivos.

No século passado a tal Grande Comissão do 8º Centenário da Batalha de S, Mamede foi constituída no dia 12 de Abril do próprio ano, pouco mais de 2 meses antes do evento. Hoje ninguém programa um evento familiar simples e modesto em apenas dois meses!

Para terminar, o desafio que deixo como vimaranense apaixonado é que Guimarães cumpra o seu dever em 2028 e faça do IX Centenário da Batalha de S. Mamede e da Fundação de Fundação um ano de ouro, celebrando Afonso Henriques e a Língua Portuguesa, como os dois elementos mais sublimes da Nação Portuguesa.

* Florentino Cardoso – Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Frequentou na mesma Universidade a pós-graduação em estudos Europeus Frequentou também o Curso de Direito Administrativo e Administração Pública no Instituto Superior de Tecnologia Empresarial.

1 Araduca, blogspot, Memórias D. Afonso Henriques de luto.
2 “Ilustração Moderna”, edição de Julho e Agosto de 1928, página 183.
3 “Ilustração Moderna”, edição de Julho e Agosto de 1928, página 178.
4 “Ilustração Moderna”, edição de Julho e Agosto de 1928, página 149.
5 “Diário de Notícias”, de 13 de Fevereiro de 1939.
6 Decreto de 12 de Outubro de 1910.
7 A primeira referência ao carácter festivo do dia 10 de Junho é no ano de 1880 por um decreto real de D. Luís I que declarou “Dia de Festa Nacional e de Grande gala” para comemorar apenas nesse ano os 300 anos da hipotética data da morte de Luís de Camões, em 10 de junho de 1580.
8 DL n.º 210-A/75 de 18 de Abril.