Ruy Castro
Brazucas flanando por Lisboa terão o prazer de se ver, de repente, numa pracinha que corta a avenida Almirante Reis, no Areeiro. Se consultarem a placa com o nome, lerão: praça João do Rio. Os portugueses são gratos ao brasileiro João do Rio (1881-1921) por ele, como jornalista, ter defendido seus emigrantes numa época de particular lusofobia no Brasil: as vésperas do centenário da Independência, em 1922. No meio da praça, há uma peça de mármore com sua efígie e seu texto numa inscrição: “Nada me devem os portugueses por amar e defender portugueses, porque assim amo, venero e quero duas vezes a minha pátria.”
João do Rio, a começar pelo pseudônimo —chamava-se Paulo Barreto— dizia-se tão carioca quanto a rua do Ouvidor. Era um homem do jornal, da literatura, do teatro, do mundo político, da sociedade e das ruas, com enorme presença em seu tempo. Foi também o primeiro entrevistador da imprensa brasileira e introdutor na língua do verbo flanar. Como repórter, cobriu o Rio de alto abaixo, dos salões de Botafogo e bastidores dos teatros ao basfond, às casas de ópio e aos cortiços da cidade de 1910.
O Rio não tem sido gentil com João do Rio. Seu centenário de falecimento, em 2021, inexistiu —esta coluna foi dos poucos espaços a celebrá-lo. A universidade o ignora e ele não é sequer nome de rua na cidade. Paulo Barreto, sim, é rua em Botafogo, mas quantos saberão que se trata do fabuloso autor de “A Alma Encantadora das Ruas”, “Dentro da Noite” e “Vida Vertiginosa”?
João do Rio era mulato, gay, gordo e dândi. Seus inimigos jogavam tudo isso contra ele e lhe impuseram agressões físicas. Ao contra-atacar, ele se valia de outras armas: o talento, a inteligência, a coragem. Ninguém o derrotava na palavra escrita.
O Rio não tem uma praça João do Rio. Mas Lisboa tem. Isso talvez lhe bastasse para amar, venerar e querer duas vezes a sua cidade.