Filipa Pinto Machado
I – Introdução
Ao longo dos tempos, o mar tem sido motivo de disputa entre povos e nações, tendo em vista o seu domínio. Assim o foi na antiguidade, nomeadamente na guerra entre Roma e Cartago para o controlo do Mar Mediterrâneo, conflito esse que terminou com a destruição de Cartago.
Em tempos não muito distantes, nomeadamente durante o período da Segunda Guerra Mundial, temos como exemplo de tentativa de domínio do mar as “batalhas” travadas entre o Japão e os Estados Unidos da América para o controlo do Oceano Pacífico, conflito esse que terminou com o lançamento de duas bombas nucleares pelos Estados Unidos sobre o Japão.
Num período mais recente, temos a guerra das Malvinas (1982) e a da Palmeta (1995), para além do conflito latente entre o Japão e a China pela posse das Ilhas de Senkaku ou Diaoyu e, no caso português, a recente pretensão de Espanha de querer alargar o seu território marítimo através das Ilhas Selvagens, prejudicando assim os interesses de Portugal.
Estes são os conflitos dos tempos de hoje. Tais conflitos, tanto no passado, como no presente, só vêm confirmar a importância do mar no desenvolvimento económico dos países.
No passado, com o domínio do mar, pretendia-se defender o País de ataques vindos por essa via e proteger as respectivas rotas comerciais; no presente, para além do facto de o mar continuar a ser uma via indispensável de comunicação, os países pretendem alargar a sua Zona Económica Exclusiva (ZEE), para assim poderem ter à sua disposição mais uma importante fonte de recursos biológicos, energéticos e minerais. Importa ainda referir que a existência de cidades-portos, pode alterar toda a dinâmica e estrutura organizativa das cidades e respectivas populações, assim como no planeamento das principais actividades económicas.


II – Resumo histórico
Em Portugal a importância do mar não deixa lugar a dúvidas. Passada a crise 1383-1385 e feitas as pazes com Castela, o mar era a única alternativa para a expansão do território e assim se atingir o ambicionado desenvolvimento.
Os Historiadores indicam a data de 1415 (conquista de Ceuta) como a data em que se iniciou a grande epopeia que foram os “Descobrimentos Marítimos Portugueses”. Nas palavras de José Hermano Saraiva, esta gigantesca epopeia só foi possível porque: “…assumiu o carácter de empreendimento nacional, de eixo em função do qual se desenvolveram, durante séculos, as actividades públicas e privadas. Os Descobrimentos não foram o resultado de acções isoladas de mercadores ou aventureiros, mas inscreveram-se, pelo menos desde 1432, num plano de cuja realização se considerou responsável a Coroa ou, antes dela, a Ordem de Cristo”.
Os descobrimentos como conhecimento de novas terras e mares, de novas gentes e culturas e, de novos saberes foram a grande dádiva dos portugueses à Humanidade e a si próprios.
Com uma costa de 943 quilómetros e com uma posição estratégica privilegiada, o mar teve sempre um papel fundamental na economia portuguesa. Veja-se que, em 1571, havia uma série de postos avançados que ligavam Lisboa a Nagasaki e os postos ao longo das costas da África, Médio Oriente, Índia e Ásia eram controlados por Portugal.
Para além de um vasto interposto comercial, Portugal detinha uma Marinha invejável. Assim, era forçoso integrar a marinha e o comércio e, em 1736, surgem as primeiras medidas para o controlo civil da força militar e são então criadas a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (a cargo de Manuel António de Azevedo Coutinho) e a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Conquistas (a cargo de António Guedes Pereira).
D. João V morre em 1750 e, na segunda metade do século, as reorganizações da força militar terrestre vão ser ditadas pela situação internacional e pela influência de Sebastião de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, Primeiro-Ministro de D. José I, na sua construção do Estado e fomento do comércio.
Por Decreto de 28 de Julho de 1834, decretou-se que e passamos a citar: “Os Negócios das Províncias Ultramarinas, que até agora têm estado anexos à Secretaria d’Estado dos Negócios da Marinha ficam pertencendo a cada uma das diversas Secretarias d’Estado segundo a sua natureza for, do interior do Reino, da Justiça, da Fazenda, da Guerra, e Estrangeiros. (…) À Secretaria d’Estado da Marinha ficam em consequência competindo somente aqueles negócios que forem relativos à Repartição da Marinha no Reino de Portugal e seus Domínios, e quanto até agora dizia respeito ao Ultramar correrá d’ora em diante pelas mesmas Repartições, por onde se expedem os negócios de Portugal.”
O Império Português foi assim o primeiro império global da história, para além de ser o mais antigo dos impérios coloniais europeus, desde a conquista de Ceuta até à concessão da soberania de Timor-Leste, em 2002.
Relembramos estes factos não por saudosismo, não apenas por isso. Pese embora a História de um País com todo o seu rol de activos e passivos, jamais deverá ser esquecida por qualquer povo, muito menos por um povo e por um país como Portugal cuja individualidade foi assegurada por esse imenso mar e pela centralidade que os novos espaços e o império por ele criados lhe abriram e proporcionaram.
Podemos afirmar que o mar foi, assim, base da independência e da afirmação nacional de Portugal.
Após a Segunda Guerra Mundial, António de Oliveira Salazar tentou manter intacto o que restava do império pluricontinental, num momento em que, ao contrário, outros países europeus se retiraram das suas colónias. Em 1961, as tropas portuguesas em Goa foram incapazes de impedir o avanço das tropas indianas que marcharam para a colónia em número superior. Noutra frente, Salazar começou uma longa e sangrenta guerra para acabar com as forças anticoloniais em África, guerra essa que durou até 1974.
Arriscamo-nos a dizer que desde então se apoderou sobre os governos um “complexo colonial”, tendo-se retirado ao mar, à marinha e às políticas marítimas a atenção que lhes deveriam ter sido dadas. Veja-se a título de exemplo a extinção do Ministério da Marinha, logo após a Revolução de Abril de 1974. Veja-se ainda que nos seis Governos Provisórios e nos 24 Governos Constitucionais, o Mar só teve estatuto de ministério em dois governos, o IX (Junho de 1983 a Novembro de 1985), o XII (Outubro de 1991 a Outubro de 1995), o XXI (Novembro de 2015 a Outubro de 2019 e o XXII (Outubro de 2019 a Março de 2022).Houve ainda outras soluções, como “da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar” (XVI Governo), “da Agricultura e do Mar” (XIX e XX Governo) e “da Economia e do Mar” (XXIII); mas um ministério consagrado unicamente ao Mar, apenas nos quatro governos indicados.
A importância de se ter um Ministério do Mar, não é assim tão displicente como possa parecer. Veja-se que foi no tempo em que havia o ministério do mar – XII Governo Constitucional – que Portugal conseguiu manter inalterada a sua ZEE, face às pretensões de Espanha.
Portugal, no último quartel do Séc. XX, passa por uma grande transformação: A transformação do seu quadro governativo com o golpe de Estado e consequente mudança de regime em 1974, o fim do Império com mais de cinco séculos de história, a descolonização, o consequente aumento da população residente, o fenómeno dos ‘retornados’, a alteração das políticas governativas e a nacionalização dos grandes grupos económicos.
Também a nível externo o país enfrenta grandes alterações. Desde 1947 que Salazar se apercebera das mudanças na correlação de forças na cena internacional, da emergência de um novo quadro para a segurança mundial e chamara a atenção para o avanço do comunismo na Europa. Por isso, quando, na Assembleia Geral da ONU, Mr. Spaak chama a atenção mundial para a «ameaça russa», Salazar terá sentido confirmadas as suas preocupações e, naturalmente, legitimado o seu tradicional anticomunismo. Depois de três Conselhos de Ministros, Salazar decide aderir ao pacto e a 4 de Abril de 1949, Portugal assina o Tratado de Washington e torna-se membro fundador da Aliança Atlântica. (NATO).


III – A integração na EFTA e CEE; Importância do mar na economia nacional
Para que a sua balança comercial continuasse na zona dos valores positivos, tornava-se imperativo que o governo português se abrisse ao exterior, pelo que se iniciam negociações para a adesão à EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre), a qual veio a consumar-se no dia 4 de Janeiro de 1960, em Estocolmo.
Ainda a nível externo, inicia-se a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE). O processo de adesão inicia-se em 1977 e termina com a conclusão das respectivas negociações em 1985, com assinatura do Tratado de Adesão em 12 de Junho de 1985. A adesão é efectiva a 1 de Janeiro de 1986.
A adesão à CEE, hoje União Europeia (UE), foi um factor de modernização do país proporcionado pelos múltiplos quadros de apoio financeiro a que Portugal teve acesso.
Todavia, convém salientar que esta adesão foi a passagem de uma economia frágil, protegida e virada para o consumo interno para a integração num vasto mercado concorrencial, como é o da União Europeia, (UE), composta actualmente por 27 Estados Membros.
Acresce ainda que o grande alargamento da UE em 2004 é um elemento condicionador de relevo, em virtude de se deslocar o centro de gravidade para Leste, limitando ainda mais a margem de manobra de Portugal quer em termos económicos (aumento da concorrência, captação de investimentos estrangeiros, deslocalização das empresas), quer em termos financeiros (repartição dos volumes de transferências para efeitos de coesão).
No final do 1º semestre de 2011, a exemplo do que já tinha sucedido em 1977 e em 1983, Portugal teve a necessidade de recorrer à ajuda internacional, com a celebração de um acordo de apoio financeiro entre o país, a UE e o FMI, dando-se início a um novo período de políticas de austeridade e dificuldades acrescidas para a sociedade e à interferência de elementos extra e supranacionais na tomada de decisão política do governo português.
Na opinião de muitos analistas, a grave situação em que Portugal se encontrou tem uma componente interna e outra externa. A interna, pelas políticas que conduziram à excessiva e incomportável acumulação de dívida e na grande dificuldade de o país se financiar nos mercados financeiros internacionais a taxas de juro compatíveis com a sua sustentabilidade orçamental a longo prazo, face ao comportamento do PIB (crescimentos muito ténues quando não negativos, durante uma série de anos); a externa, pelos efeitos de uma Europa também em crise, com dificuldade em se adaptar à crescente globalização competitiva e com a possibilidade de se fragmentar.
Neste contexto e como já vem sendo afirmado, Portugal terá de construir um modelo de desenvolvimento que volte a incluir o mar, os transportes marítimos e as respectivas reorganizações das cidades como factor decisivo para o relançamento da economia.
Um dos erros mais frequentes na gestão das crises é deixarmo-nos devorar pelo curto prazo e adoptar medidas avulsas sem um pensamento e um plano integrado. Não se pode negligenciar a dimensão estratégica e geopolítica que o país tem de ter para construir um caminho para o futuro. Nos últimos trinta anos, as elites políticas que governaram o País cometeram erros estratégicos que nos conduziram à situação em que estamos: Portugal, detentor de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE), mantém no âmbito da pesca, preparações das conservas e outros produtos do mar, uma balança comercial deficitária, tendo as importações (FOB) registado em 2020 um valor duas vezes superior ao das exportações (FOB), e 1,8 vezes em 2021
Há trinta anos, o país pescava a maior parte do peixe que consumia. Hoje, importa 70 %. O que tem aumentado são as indústrias transformadoras do pescado, que atenuam o défice comercial nesta área. Há trinta anos, o País tinha uma indústria de construção naval que era referência no mundo, hoje tem um fantasma.
Torna-se crucial que o País volte a ter sucesso, volte a valorizar os seus recursos marítimos. Até 2020, época da pandemia, praticamente 90% do comércio internacional fazia-se pela via marítima. Certo que as crises actuais, nomeadamente no canal do Suez e no Mar Vermelho, provocaram um aumento significativo de custos, mas, ainda assim, o comércio marítimo é uma forma preponderante de fazer comércio e onde há comércio há crescimento, onde há crescimento há riqueza.
Na História de Portugal existe uma constante que não podemos esquecer: sempre que o País se virou para o mar prosperou. É evidente que o País está longe de ser a potência marítima que já foi, mas o mínimo que pode exigir-se é que comece a usar a sua rede de portos para criar riqueza e que use a sua história como conhecimento para o futuro.
Importa ainda mencionar que Portugal tem a terceira maior ZEE da União Europeia e a décima primeira do Mundo. No entanto, tal facto não se mostra representado a nível do Produto Interno Bruto (PIB), ao invés da Noruega cuja economia do mar representa 30% do PIB. Para além do potencial das actividades tradicionais (transportes marítimos, pesca, construção naval, transformação de pescado e turismo), Portugal tem de aproveitar as novas actividades marítimas como a agricultura ‘off-shore’, energia das ondas e das marés, eólicas, biotecnologia ou a robótica marinha.


IV. Portos
Os portos terão de voltar a ser cruciais nas relações de Portugal com o resto da Europa, mas também como novos factores de crescimento e novas oportunidades quer no Atlântico Sul, quer no Atlântico Norte.
Os portos têm de deixar de “viver” apenas para si próprios e para quem os opera, tendo de “viver” cada vez mais para os seus clientes. Articular a rede dos portos portugueses com as rotas comerciais e com as rotas energéticas é uma combinação que tem de ser feita para o crescimento da economia.
Os Portos podem ser encarados sob várias perspectivas. A mais simples encara-os como um local de intercâmbio de passageiros e mercadorias; e a mais complexa caracteriza-os como locais onde se produzem múltiplas actividades comerciais e industriais e onde circulam diversos tipos de carga, o que implica instalações e serviços especializados.
Esta visão mais complexa dos portos teve a sua origem em 1956, quando o Sr. Melcom Mclean resolveu transformar o navio IDEAL X em porta-contentores, iniciando-se o que ficou designado com o “fenómeno da contentorização” ou “container intermodal” O fenómeno da “contentorização” alterou substancialmente a geografia portuária. Foram, criadas cidades e desenvolvidas as então existentes, à medida que os portos iam aumentando a sua capacidade – vejamos, a título de exemplo, o porto de Hamburgo, na Alemanha, ou o porto de Melbourne, na Austrália.
Com o fenómeno da “contentorização”, os portos passaram a ser alvo de políticas integradas, quer nas cidades, quer sob o ponto de vista de qualidade, ambiente, segurança e saúde no trabalho. A existência de uma multiplicidade de serviços, a produção simultânea de bens públicos e privados, o facto de o grau de concorrência entre os mercados portuários depender cada vez menos do controlo da Autoridade Portuária, tornaram o sector portuário como o de mais difícil de administração, regulamentação e regulação.
O território continental está dotado de nove portos comerciais, cinco dos quais constituem o sistema portuário principal – Aveiro, Leixões, Lisboa, Setúbal e Sines –, os quais se encontram a ser administrados por Administrações Portuárias (doravante e por comodidade designadas por APS), as quais têm o estatuto de Sociedades Anónimas de Capitais Exclusivamente Públicos. Os portos de Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão são portos secundários; Actualmente, o capital dos portos de Viana do Castelo e da Figueira da Foz são detidos, respectivamente, pelos portos de Leixões e Aveiro. A Administração dos Portos de Sines e do Algarve, S.A. (ou APS, S.A.) é a entidade responsável por assegurar o exercício das competências necessárias ao regular funcionamento do Porto de Sines e dos Portos comerciais de Faro e de Portimão.
As Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores têm o seu próprio sistema portuário.
Dada a importância vital e estratégica dos portos no desenvolvimento da economia de um país, estes têm merecido um controlo directo por parte dos poderes públicos. No entanto, o grande volume de investimento necessário para a sua ampliação e modernização implicou um maior envolvimento dos agentes económicos privados.
Como consequência, a gestão e a administração dos portos foi sendo reformulada. Assim, os agentes económicos privados ficaram a gerir as operações portuárias, passando a administração das infraestruturas a ser da responsabilidade das APS e dos Institutos Portuários.
O Instituto do Trabalho Portuário (doravante e por comodidade designado por ITP), foi criado pelo Decreto-Lei n.º 145-B/78, de 17 de Junho, o qual estabeleceu as bases gerais da organização administrativa do trabalho portuário. À data, o ITP tinha como missão a fiscalização, coordenação e planeamento do sector marítimo-portuário e supervisionar e regulamentar as actividades aí desenvolvidas.
Posteriormente, este Decreto-Lei foi revogado e alterado pelo Decreto-Lei n.º 282-C/84, de 20 de agosto, o qual definiu a natureza, âmbito, atribuições e competência do Instituto do Trabalho Portuário (ITP); O mesmo DL também veio definir as atribuições dos centros coordenadores do trabalho portuário (CCTP), dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira.
No início de 1992, os portos portugueses encontravam-se numa situação difícil, a qual implicava a necessidade de uma reestruturação portuária; após a realização de um diagnóstico profundo da situação existente nos portos portugueses, foram definidos os dois vectores essenciais em que assentar-se-ia a reestruturação: um novo enquadramento legal e a celebração de um Pacto de Concertação Social no Sector Portuário.
Assim, após um longo processo de negociação no âmbito do Conselho Económico e Social, foi assinado, em 12 de Julho de 1993, o Pacto de Concertação Social no Sector Portuário pelo Ministro do Mar, em representação do Governo, pelas 5 Associações representativas dos Operadores Portuários, pela Federação Portuguesa dos Agentes de Navegação, pela Associação Nacional de Utentes Privativos de Cais Concessionados ou Licenciados, pelo Conselho Português de Carregadores e pelos 12 Sindicatos representativos dos trabalhadores portuários. Nos termos do Pacto, estas entidades assumiram um firme compromisso na implementação concertada e em clima de colaboração e paz social, das Medidas Complementares da Reestruturação.
A acção legislativa decorrente do processo de reestruturação centrou-se, em especial, nas três áreas de relevância fundamental para o êxito do processo: a operação portuária, o trabalho portuário e as concessões portuárias; assim em resumo e, não pretendo ser esta informação detalhada, não se pode aqui deixar de mencionar as principais alterações legislativas daí decorrente;
Em outubro de 1993, foi publicado o Decreto-Lei n. 398/93, que estabeleceu o Regime Jurídico da Operação Portuária.
Por sua vez, no respeita ao Trabalho Portuário neste âmbito, começou-se por extinguir o Centro Coordenador do Trabalho Portuário de Lisboa (Decreto-Lei n. 100/92) e, posteriormente, em outubro de 1993, foi publicado o Decreto-Lei n. 356/93 que alterou a orgânica e competências do Instituto do Trabalho Portuário. Estes diplomas permitiram extinguir o sistema de gestão tripartida, envolvendo o Estado, o Patronato e os Sindicatos, que se traduzia, na prática, pela monopolização do trabalho portuário.
A mão-de-obra nos portos passa assim a ser gerida apenas por empresas privadas. Em agosto de 1993 foi publicado o Decreto-Lei n. 298/93 que estabeleceu o Regime Jurídico do Trabalho Portuário.
Por sua vez, no que respeita às Concessões Portuárias em dezembro de 1994 foi publicado o Decreto-Lei n. 324/94, que estabelece as bases gerais da concessão à iniciativa privada de cais, terminais, equipamentos e espaços portuários.
Posteriormente, o reconhecimento do sector marítimo-portuário como sector dotado de alto valor estratégico ao serviço do desenvolvimento económico nacional motivou a publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/98, publicada na I Série B, do Diário da República, em 10 de Julho de 1998. Nesta Resolução, foi aprovado o guia estratégico “Política Marítimo-Portuária Rumo ao Século XXI”, apresentado no respectivo Livro Branco, no qual o modelo de gestão “Landlord Port” é referenciado como o melhor método para introduzir a participação privada dos agentes económicos no sector portuário.
No entanto, só no ano de 2007 é que se verificou uma grande reestruturação do ITP, ao abrigo do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE).
O Decreto-Lei 146/2007, de 27 de Abril, estabeleceu uma nova Lei Orgânica para o ITP o qual se passou a designar por Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, (doravante e por comodidade designado por IPTM, I.P.). Nos termos do Decreto-Lei supramencionado, as atribuições do IPTM, IP, são reformuladas e reorganizadas segundo uma estratégia de afirmação dos portos nacionais, integrados nas “autoestradas do mar” e do sector portuário como porta atlântica do Sudoeste Europeu. Ao ITPM, IP foi dada como medida prioritária a elaboração e a implementação de um plano de desenvolvimento para a área marítimo-portuária – Plano Nacional Marítimo-Portuário. As atribuições do IPTM, I.P., são prosseguidas em todo o território nacional, sobre o qual este organismo tem jurisdição, por intermédio de três delegações, a Delegação do Norte e Douro, a Delegação do Centro e a Delegação do Sul.
O sector portuário português integra, assim, entidades públicas as Administrações Portuárias e o IPTM, IP, dotado de autonomia financeira, prosseguindo estes organismos as atribuições dos ministérios a que ficam afectos nas diferentes orgânicas governamentais.
Em torno dos portos desenvolvem-se “clusters” industriais e tecnológicos importantes para o desenvolvimento nacional regional e local e, por esse motivo, são e podem vir a ser fonte de criação de emprego em diversas áreas. As infra-estruturas básicas necessárias a um porto, como a construção de diques, quebra-mar, cais e o aprofundamento de canais de navegação, envolvem investimentos de capital avultados.
Assim, o panorama da gestão portuária tem vindo a alterar-se nas últimas duas décadas. Os portos, anteriormente geridos por entidades públicas, estão a tornar-se entidades autónomas cada vez mais inseridas no mercado concorrencial, sem interferência dos governos centrais e maior influência privada. Os dados demonstram que as áreas que são comummente privatizadas são a movimentação de cargas e o armazenamento, áreas comercialmente mais viáveis. Este facto leva à problemática da privatização dos lucros e socialização da despesa.
As circunstâncias acima mencionadas motivaram a que o Banco Mundial apresentasse quatro modelos de gestão portuária, os quais representam actualmente a maioria dos formatos existentes: o “Service Port”, o “Tool Port”, o “Landlord Port” e o “Fully Privatized Port”.
O “Service Port” é um modelo de gestão onde a gestão portuária é predominantemente pública, ou seja, a autoridade portuária possui, desenvolve e mantém as infra-estruturas e as supraestruturas, incluindo os equipamentos, sendo os trabalhadores portuários (estivadores) directamente contratados pela mesma.
No “Tool Port”, a participação do sector privado desenvolve-se ao nível da gestão do trabalho portuário (estivadores) e equipamentos leves de movimentação horizontal (empilhadores e camiões), sendo que as infra-estruturas e supra-estruturas, incluindo os equipamentos de movimentação vertical (guindastes e pórticos), da posse e controlo do agente público responsável pela exploração do porto.
No “Landlord Port”, a autoridade portuária detém a propriedade do porto, actuando como organismo regulador enquanto as restantes infra-estruturas e supra-estruturas são concedidas a privados, por meio de concessões.
O “Fully Privatized Port” caracteriza-se por excluir qualquer influência do sector público na actividade portuária.
No sistema portuário português, desde a Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/98, o modelo que tem vindo a ser utilizado é o Landlord Port.
Os exemplos práticos dos modelos básicos acima apresentados encontram-se a nível mundial. O “Service Port” pode encontrar-se na maioria dos países em vias de desenvolvimento, como Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau; São exemplos do “Tool Port”, o Porto Fornecedor dos Equipamentos em Santos no Brasil, Le Havre em França. O “Landlord Port” tem exemplos na maioria dos países do Norte da Europa, designadamente em Roterdão, Antuérpia, Hamburgo. Por sua vez,o “Fully Privatized Port” ou Porto Privado apenas encontra exemplos na Inglaterra e Nova Zelândia. Na maioria dos modelos de gestão portuária, a propriedade dos activos não é transferida para a esfera privada; a propriedade e a estrutura portuária permanecem quase sempre na mão do Estado, num contexto de mercado, com autonomia de gestão e contabilística.
Existe uma tendência mundial para a “privatização” do sector portuário, sendo que o maior envolvimento do sector privado na actividade portuária não acontece através de uma privatização total. Aproveitamos ainda para mencionar que a celebração de Parcerias Público Privadas (PPP) não constitui uma forma de privatização, entendida como o modelo do Porto Privado, onde a propriedade do terreno, o planeamento, o desenvolvimento e a gestão da actividade portuária são transferidos para a esfera privada. Nas PPP, a maioria das actividades portuárias são desenvolvidas por privados através de contrato de concessão celebrados com o sector público.
Uma série de factores influenciam o modo como os portos são organizados, estruturados e geridos. A estrutura socioeconómica de um país (economia de mercado, fronteiras abertas), acontecimentos históricos (por exemplo, a estrutura colonial anterior), a localização do porto (zona urbana ou em regiões isoladas) e o tipo de cargas movimentadas são alguns exemplos.
A grande maioria das autoridades portuárias são de propriedade pública. O padrão de propriedade confirma as tradições hanseática e latina de influência do governo, quer municipal como central. Olhando para as reformas em curso, a situação da propriedade das autoridades portuárias permanece bastante estável, com pequenas alterações em alguns países.
A função de proprietário pode ser considerada como a principal função das autoridades portuárias contemporâneas. Ela está sujeita a diferentes formas de pressão, tais como, pressão competitiva para investir em infraestruturas, pressão financeira para fazer esses investimentos e a concorrência na utilização da “terra”. Esta é, de facto, um elemento crucial neste domínio.
A função de operador cobre a prestação de serviços portuários, que podem ser agrupadas da seguinte forma: a transferência física de mercadorias e passageiros entre o mar e a terra, incluindo serviços de transporte, serviços técnico-náuticos (pilotagem, reboque e amarração) e outros. A maior mudança foram os processos de privatização que passaram os serviços de movimentação de carga para as mãos de operadores privados, actuando a autoridade portuária apenas como prestador de serviços de último recurso ou oferecendo serviços especializados.
A natureza de interesse económico geral de serviços técnico-náuticos explica por que estes podem ser prestados pelas autoridades portuárias.
Os principais rendimentos dos portos são as taxas provenientes do uso dos diferentes serviços. As taxas portuárias são aquelas exigidas pela utilização privada ou aproveitamento especial do domínio público portuário e pela prestação de serviços não comerciais pela autoridade portuária. O mecanismo de pagamento neste tipo de modelo consiste numa tarifa ao usuário em função do uso que faz da infraestrutura. Desta forma, os rendimentos estão sujeitos a risco de procura, pelo que se não há utilização da infraestrutura os resultados do porto são negativos.
Nos termos do Decreto-Lei 9/2022, de 11 de Janeiro, o qual assegura a execução das obrigações decorrentes do Regulamento (UE) 2017/352, que estabelece o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos determina-se no seu artigo 10.º que o regulamento de tarifas de cada umas das administrações portuárias é elaborado por estas de acordo com o procedimento previsto no CPA, sem prejuízo das competências da AMT, de análise, apreciação e aprovação das propostas de regulamento de tarifas, dependendo a sua eficácia da respetiva publicação no sítio na Internet da autoridade portuária.
Nos termos do supramencionado Decreto-Lei a estrutura e o nível das taxas de utilização da infraestrutura portuária são determinados em função da estratégia comercial e dos planos de investimento do porto e devem respeitar as regras de concorrência e os requisitos gerais definidos no quadro da política portuária geral.
As taxas de utilização da infraestrutura portuária podem variar de acordo com a estratégia económica e com a política de ordenamento do território do porto, designadamente em relação a certas categorias de utente, ou com o fim de promover uma utilização mais eficiente da infraestrutura portuária, do transporte marítimo de curta distância ou de um nível elevado de desempenho ambiental, de eficiência energética ou de eficiência carbónica das operações de transporte.
Ao contrário do sistema rodoviário cujas tarifas são precisamente definidas, a regulação de tarifas nos portos, assume a forma de tectos que não devem ser ultrapassados.
O financiamento das infraestruturas portuárias básicas depende assim das políticas económicas governamentais e da forma como cada governo entende a administração dos portos e da sua economia.
Na análise da gestão portuária, mais do que o número de estruturas e a respectiva poupança, o que o País tem de avaliar são os ganhos de eficiência e eficácia que os diferentes tipos de gestão, centralizada ou descentralizada, podem trazer. Portugal tem, assim, de transformar os seus portos em verdadeiras plataformas logísticas integradas em cadeias logísticas internacionais.


V – Estratégia Nacional do Mar e a importância dada pelos actuais Fundos Europeus
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 é o instrumento que traça o rumo para a política pública do Mar na próxima década. Foi aprovada em Conselho de Ministros no dia 6 de maio de 2021, cumprindo uma das disposições do Programa do XXII Governo Constitucional.
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (ENM 2021-2030) baseia-se na importância do conhecimento científico, na proteção do Oceano, na valorização dos serviços dos ecossistemas marinhos e no reconhecimento do seu papel como vetores de desenvolvimento sustentável e, em paralelo, na robustez dos setores tradicionais e emergentes da economia azul.
Os princípios orientadores da ENM 2021-2030 estão alinhados com a Agenda 2030 das Nações Unidas, com o Pacto Ecológico Europeu, com a Política Marítima Integrada da União Europeia, a Política Comum de Pescas, e com as recentes Estratégia de Biodiversidade 2030, Estratégia do Prado ao Prato e Missão Estrela-do-mar 2030: Recuperar o nosso Oceano e Águas, apresentadas pela Comissão Europeia.
No que respeita ao Plano Estratégico de Transportes, neste programa tem-se em consideração que Portugal detém, na sua herança marítima e na sua centralidade atlântica, um posicionamento geoestratégico que lhe permite continuar a apostar na sua maritimidade e na sua potencialidade enquanto hub atlântico nas cadeias logísticas globais de base marítima.
Nesse programa, o Governo definiu também como objectivo a promoção da marca “Portos de Portugal”, que deve ser uma prioridade no campo internacional, tirando partido dos portos como elementos agregadores para fazer crescer Portugal como plataforma de movimentação de mercadorias no Atlântico, através da captação de linhas de transporte marítimo e da fixação de empresas no seu território, em linha com a Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente – Horizonte 2026 e o Plano de Ação para o Atlântico 2.0 da Comissão Europeia. Neste contexto, o ordenamento portuário na relação com as cidades, na intermodalidade com o território e na ligação com as redes de transporte internacional, agregado ao conjunto de novos projetos de expansão portuária, deve permitir ambicionar novas dimensões de crescimento e de desenvolvimento económico do país, mantendo e gerando mais emprego e riqueza, sempre no estreito respeito dos objetivos de sustentabilidade ambiental e salvaguarda do património cultural. O ordenamento portuário deverá proporcionar uma paisagem mais sustentável, à medida que oferece oportunidades emergentes para as populações das áreas ribeirinhas e para os pequenos negócios, repensando o futuro à beira-mar, como oportunidade de implementar novos e coesos modelos de comunidades portuárias seguras, sustentáveis, inclusivas e resilientes. Este é um sector que contribui para o sucesso de outras áreas da economia do mar, como o turismo, as pescas, a aquicultura, a construção e reparação naval e as energias renováveis oceânicas.
Neste âmbito, os terminais de contentores têm um papel de destaque, estando identificados investimentos para todos os portos neste segmento de carga, como por exemplo os do “Porto de Sines: Expansão do Terminal de Contentores do Porto de Sines (fase IB e fase II)” e “Estudo da concessão de construção e operação do Novo Terminal de Contentores Vasco da Gama”.
Portugal está a beneficiar de 14.000.000.000,00€ (catorze mil milhões de euros), no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na área específica da Marinha, prevê, em concreto, a criação de uma plataforma logístico-científica, por um valor de cerca de 112 milhões de euros.
Por outro lado, a Administração dos Portos de Sines e do Algarve vai beneficiar de, pelo menos 19,95 milhões de euros para pagar o investimento na modernização da infraestrutura portuária de Sines, tendo como principal objectivo a descarbonização.
Este valor não vem do PPR mas do denominado pacote REACT-EU.
A REACT-EU é um programa que visa reparar os prejuízos sociais e económicos causados pela pandemia de COVID-19 e preparar uma recuperação ecológica, digital e resiliente
Assim, esta é a altura certa para se re-investir no Mar e em todo o seu potencial.