Pedro Velez **
No que segue, procurar-se-á ilustrar as seguintes teses:
i) Em Portugal, o Liberalismo transportou consigo um novo horizonte de “revelação axiológica” para existência social e política de Portugal, tendo manifestado uma dimensão militante e totalizante.
ii) O Credo Liberal não parece, porém, ter sido declinado de forma exaustiva ou integral; a um nível “pragmático”, afirmou-se um registo de “compromisso” com a ordem tradicional da sociedade portuguesa.
I.
I.I Na sequência das invasões francesas e da consequente desarticulação do Antigo Regime, chegaria a Portugal, como produto exógeno (José Miguel Sardica), a nova forma de ordem afirmada no espaço ocidental com as grandes revoluções inglesa, americana e francesa[1].
Estava em causa, certamente, um novo modo de organização político-institucional (declaração de direitos, a constituição formal, separação de poderes, governo representativo). Esse novo modo de organização político-institucional, porém, emergia de/estava intrinsecamente associado a uma nova “revelação de valor” centrada em torno da ideia de igual liberdade individual (em última análise, compreendida como “liberdade negativa”, no sentido de uma liberdade autotélica).
Uma tal ideia fundamental achou-se claramente vertida na primeira constituição escrita Portuguesa, a Constituição de 1822, na linha da constituição espanhola de Cádis e da constituição francesa de 1791. No art. 1.º da Constituição de 1822, identificava-se logo o telos da nova ordem: «A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança, e propriedade de todos os Portugueses». Dos artigos subsequentes transparecia a substância de «liberdade negativa» inerente ao mesmo: no artigo 2.º dizia-se – «A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe. A conservação desta liberdade depende da exacta observância das leis»; o que art. 3.º complementava: «A segurança pessoal consiste na protecção, que o Governo deve dar a todos, para poderem conservar os seus direitos pessoais»[2]. Um idêntico campo axiológico é também reconhecível na lei fundamental ao abrigo da qual o regime liberal se viria a estabilizar, na segunda metade do século XIX. Na norma protetora de direitos individuais que a Carta Constitucional de 1826, a final, continha (art. 145.º), proclamava-se que «a inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade»; o carácter “negativo” do § 1.° da norma – imediatamente subsequente à referida proclamação – era/é também eloquente: «Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei». No artigo 1.º da Carta, «O Reino de Portugal» aparecia, aliás, já definido, a partir da unidade de conta indivíduo-cidadão, como «a Associação política de todos os Cidadãos Portugueses». Genericamente escrita de forma elegante e contida, não por isso deixou a Constituição de 1838 de transcrever o mesmo conceito de liberdade negativa. No «capítulo único», intitulado «dos direitos e garantias dos portugueses», ficou assinalado (artigo 9.º): «Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão o que a Lei ordena ou proíbe» (o artigo 10.º, completava o programa: «A Lei é igual para todos»).


A realização de uma “comunidade” de indivíduos soberanos («comunidade livre de homens cidadãos livres») constituiria sempre pressuposto básico partilhado pelas várias declinações do Liberalismo: do liberalismo progressista e radical que queria atuar em pleno um princípio de soberania nacional (linha refletida na Constituição de 1822 e no período do chamado Setembrismo – de 1836 a 37-38); do liberalismo conservador-compromissório (como as estruturas do Portugal Antigo) e ou autoritário-“monárquico”-“doutrinário” (linhas estas presentes, por exemplo, na doação da Carta Constitucional em 1826, bem como na governação de Costa Cabral, que reporia em vigor a dita Carta em 1842); do liberalismo “ordeiro” e ou centrista que queria realizar um consenso constitucional de máximo alcance (com reflexos na efémera Constituição de 1838 e, mais tarde, a partir de 1851, no espírito da experiência da Regeneração)[3]. Certas estruturas mais ou menos “discretas” constituíram, aliás, meios de socialização e organização das elites governativas em torno da trindade imanente «liberdade, igualdade, fraternidade».


I.II. O Liberalismo não deixou de revelar uma dimensão militante e totalizante. Daí também certos momentos de visível conflito entre o político-secular e o “religioso-tradicional”. Daí igualmente que o regime liberal não tivesse tido dificuldade em fazer sua e tivesse acentuado uma linha regalista que de longe vinha. De acordo com a Carta Constitucional, por exemplo, cabia ao poder executivo: «Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos» (§ 2.° do art. 75.º); «Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral» (§ 14.° desse mesmo art. 75.º)[4].
O paradigma liberal-constitucional foi imposto de cima para baixo, de modo inorgânico, a partir do Estado, por parte de um segmento da elite “burocrática”, como, nos nossos dias, tem sido salientado numa certa historiografia “liberal” (Vasco Pulido Valente)[5].
Também no referido campo historiográfico, assinalou-se recentemente (Rui Ramos) a dinâmica de “autoridade e totalidade” do primeiro liberalismo português (1820-1823), destacando-se, por exemplo, o funcionamento de um «Tribunal Especial de Protecção da Liberdade de Imprensa»[6] ao serviço da ortodoxia liberal, bem como a elaboração de um plano de «Estado Policial» (da autoria de José da Silva Carvalho)[7].
Mais tarde, o Liberalismo revelar-se-ia disposto a penetrar militantemente (ou a penetrar mais intensamente) na sociedade realmente existente, tendo em vista a instauração de uma sociedade de indivíduos livres e independentes (a “elevação” dos indivíduos “empíricos” a indivíduos livres e independentes). Temos em mente, primacialmente, a recriação legislativa da sociedade portuguesa que possibilitou a implementação mesma do Estado Liberal, em boa parte ocorrida ainda em período de guerra civil. Referimo-nos às “reformas” (à revolução legislativa) de Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda e da Justiça entre 1832-34: reorganização do Estado via operacionalização do dogma da separação de poderes, incluindo o esboço de uma Administração Pública de tipo francês[8]; abolição dos forais e revogação das doações de bens da Coroa; abolição da dízima (paga ao clero) e das sisas sobre transações (a fonte de receita municipal); extinção de uma parte dos morgadios; ensaio de “libertação” da esfera económica, do comércio interno e externo, designadamente via eliminação de monopólios, bem como de portagens e encargos incidindo sobre a circulação de mercadorias[9]. A centralidade do reformismo de Mouzinho na implementação do Estado Liberal não deixou, por exemplo, de ser reconhecida por um Alexandre Herculano, um dos vultos maiores da intelectualidade portuguesa (autor da «História de Portugal» em modo profano, um cultor de Tocqueville). Temos também em mente a intervenção complementar de Joaquim António de Aguiar, extinguindo (decreto de 30 de maio de 1834)«todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares», incorporando os bens destes na «Fazenda Nacional»; daí a passagem à história de Aguiar como o Mata-Frades[10]. As bases sociais e de poder do “Portugal Velho” e da sua constituição histórica (Concelhos; elemento senhorial laico; ordens religiosas) seriam destruídas, assim se possibilitando, por uma via que em termos marxistas se poderia denominar de «acumulação primitiva de capital», ocorrida com a chamada venda dos bens nacionais, a constituição de um suporte material para uma nova elite dirigente[11].
Sobretudo a partir de 1870, e durante a temporalidade de crise da monarquia constitucional em Portugal, os liberalismos “radicais”, a caminho ou transmutados em republicanismo(s), foram de forma cada vez mais visível sustentando a ideia de separação entre o Estado e Igreja, apontando para uma sociedade pós-religiosa (ou pós-religião tradicional)[12].
II.
II.I. O Credo Liberal não parece, porém, ter sido atuado de forma integral e omnicompreensiva. A sua substância axiológica era pensada como aplicável em domínios restritos da vida: os novos domínios político e económico. Vivia-se ainda no interior de um certo contexto de sentido moral cristão. A virtualidade abrangente do Liberalismo em Portugal e, ao mesmo tempo, os limites que este pôde encontrar, manifestaram-se de forma eminente, por exemplo, aquando da “reescrita” do direito civil à luz do novo “espírito das instituições” públicas:


Durante o processo de gestação do que viria a ser o Código Civil de 1867 (também conhecido como Código de Seabra), registou-se «uma intensa discussão» sobre a adoção, pelo ordenamento português, da figura casamento civil[13]. Abrir-se-ia um «conflito entre visões da sociedade conjugal», traduzindo «um prolongamento do conflito entre duas conceções de sociedade: a primeira dominada pela relevância conferida ao catolicismo na consubstanciação da sociedade política liberal; a segunda caracterizada pela assunção plena dos princípios de fundo secularizador (mais tarde laicizadores) na delimitação entre as esferas do poder civil e religioso.» «Na sua fase mais terminal, o conflito tende a extremar-se, materializando-se no confronto entre duas conceções do mundo diametralmente opostas, a religiosa-eclesiástica e a laicizadora, ambas perseguindo propósitos hegemónicos»[14].
O artigo 1056.º do novo Código Civil de 1867 chegaria a introduzir no direito português «uma definição profana de casamento» (Menezes Cordeiro), é certo, mas não em termos de uma “desnaturalização” da figura, sendo o casamento recortado como «(…) um contrato perpetuo feito entre duas pessoas de sexo differente, com o fim de constituirem legitimamente a família». Segundo a doutrina coeva, a referida definição só se aplicaria, aliás, ao casamento entre não católicos, dada a natureza sacramental do matrimónio para os católicos. Não deixou de ficar consagrado um casamento puramente civil, destinado aos não católicos; e não se estabeleceu um processo especial permitindo averiguar a religião dos nubentes[15].
II.II. Como novo horizonte axiológico (“axiofânico”) da sociedade portuguesa, o Liberalismo não podia deixar de estar sempre já em tensão com o tradicional horizonte religioso, ou, talvez melhor, “religio-político” que a enformava[16]. A um nível “pragmático”, um registo de “compromisso” entre a nova política liberal e a sociedade de substância “religiosa-cristã” não deixou – não podia deixar – de ser procurado. Contra um tal pano de fundo se entende as ocorrências da figura da Invocatio Dei e a normalidade do modelo do Estado confessional, bem como a natureza não dogmática (mas político-sociológica) da fórmula confessional. Mostremo-lo, para finalizar este escrito:
A Constituição de 1822 operacionalizaria, como nenhuma outra constituição portuguesa do século XIX, um conceito de soberania nacional: nos emblemáticos termos do seu art. 26.º – «A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode porém ser exercitada senão pelos seus representantes legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade pública, que se não derive da mesma Nação». A Constituição havia já sido, aliás, decretada pelas «Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa», embora não sem que os pais-fundadores da nova ordem a tivessem justificado como restabelecimento adaptativo das antigas «leis fundamentais da Monarquia».[17] A nova lei fundamental do Estado seria mesmo emanada «em nome da santíssima e indivisível Trindade», tendo-se assim entrado num terreno de proclamação teológico-dogmática, com a invocação do Deus uno e trino. No artigo 25.º, ficaria consagrado um paradigma de Estado Confessional, em termos de unidade religiosa: «A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permite-se contudo aos estrangeiros o exercício particular dos seus respectivos cultos». Em tema de deveres constitucionais dos portugueses – e a adoção de um discurso de deveres fundamentais era já também um sinal de disposição compromissória –, concedeu-se mesmo uma certa primazia a um dever de venerar a religião – segundo o art. 19.º da Constituição «Todo o Português deve ser justo. Os seus principais deveres são venerar a Religião; amar a pátria; defendê-la com as armas, quando for chamado pela lei; obedecer à Constituição e às leis; respeitar as Autoridades públicas; e contribuir para as despesas do Estado». Estabeleceu-se ainda (art. 8.º) que em tema de abuso da liberdade de imprensa, «(…) em matérias religiosas, fica salva aos Bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, e o Governo auxiliará os mesmos Bispos, para serem punidos os culpados».[18]
Mais tarde, D. Pedro (Imperador do Brasil desde 1822; reconhecido como Rei de Portugal pela regência em 1826) decretaria soberanamente a Carta Constitucional de 1826 – e com isso a “transfiguração” das «três ordens do Estado», com a sua passagem a uma nova dimensão liberal-constitucional – , não deixando de invocar a sua qualidade de Rei «por Graça de Deus»[19]. No artigo 6.º da Carta, afirmava-se: «A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras Religiões serão permitidas aos Estrangeiros com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo». No «§ 4.° do art. 145.º, ademais, a religião do Estado era posta como limite (juntamente com a moral pública) ao que se esboçava como um direito(-imunidade) a não ser perseguido por motivos de religião: «Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública».
Quanto à efémera Constituição de 1838, esta foi aceite e jurada por uma Rainha simultaneamente «por graça de Deus» e «pela Constituição da Monarquia»[20]. Nela se repetia outrossim o paradigma do Estado confessional – no seu artigo 3.º podia ler-se: «A Religião do Estado é a Católica Apostólica Romana». Neste documento constitucional, que, aliás, consubstanciava um desenvolvimento do discurso dos direitos individuais (em tema de admissibilidade de um direito de associação e reunião, por ex.), reiterava-se, no seu art. 11.º, que «Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, contanto que respeite a do Estado».
Não obstante o que precede, o que primeiro se assinalou sugere, suficientemente, que, em Portugal como noutros contextos, o projeto Liberal se inscreveu num terreno de religião ou religiosidade políticas[21].
[1] Na sequência de mudanças civilizacionais profundas que afetaram a cosmologia católica num sentido imanentista-subjetivista-individualista e no termo do estertor da cristandade latina. André de Muralt, L’unité de la philosophie politique. De Scot, Occam et Suárez au libéralisme contemporain, Vrin, Paris, 2002; Leo Strauss, Natural Right and History, The University of Chicago Press, Chicago/London, 1953; Paperback edition 1965. Para uma visão geral da forma política liberal (como forma de religiosidade imanente) no quadro de um mapa da política moderna, ver Pedro Velez, On the modern-secular religious City: a theologico-political mapping and prospective, em Negócios Estrangeiros, n.º 18, 2010, pp. 217-238.
[2] Na primeira constituição escrita portuguesa, a propriedade aparecia – art. 6.º – como «(…) um direito sagrado e inviolável, que tem qualquer Português, de dispor sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis. (…)» [sublinhado nosso]; e «A livre comunicação dos pensamentos», por sua vez – art. 7.º –, como «um dos mais preciosos direitos do homem» [sublinhado nosso]. Daí que, de seguida, se estabelecesse: «Todo o Português pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos, e pela forma que a lei determinar» [sublinhado nosso].
[3] Sobre o regime liberal em Portugal, ver, na literatura mais recente, por todos: Maria de Fátima Bonifácio, A monarquia constitucional, 1807-1910, 3.ª ed., Texto editores, Alfragide, 2010, e, da mesma autora, O Século XIX português, ICS, Lisboa, 2.ª ed., 2005; Rui Ramos, Ruptura Constitucional e Guerra Civil (1820-1834), A Revolução liberal (1834-1851), A Regeneração e o Fontismo (1851-1890) e O Fracasso do Reformismo Liberal (1890-1910), em Rui Ramos (coord.), História de Portugal, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, III parte, capítulos II, III, IV e V, respectivamente; José Miguel Sardica, Terminar a Revolução, Temas e Debates, Lisboa, 2016. Cfr. também António Manuel Hespanha, O constitucionalismo monárquico português. Breve síntese, em Historia Constitucional, n.º 13, 2012, pp. 477-526 (artigo disponível online).
[4] Sobre a temática Igreja e Estado na época do Liberalismo, ver, por exemplo: Pe Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, Edição Revista e Atualizada, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1994, pp. 228 e ss.; Manuel Braga da Cruz, Igreja e Estado/Época Contemporânea, em Carlos Moreira Azevedo (Dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, C-I, Círculo de Leitores, 2000, pp. 401 e ss.
[5] Vasco Pulido Valente, O Liberalismo Português, em Vasco Pulido Valente, Portugal – Ensaios de História e de Política, Alêtheia Editores, Lisboa, 2009, pp. 7-46.
[6] Ver nota 17.
[7] E ainda a circunstância de as Cortes, em março de 1821, terem decidido que todo o cidadão que recusasse jurar a Constituição perderia a Nacionalidade, devendo ser expulso do Reino. Ver Rui Ramos, Ruptura Constitucional e Guerra Civil (1820-1834), cit.
[8] À semelhança do esquema francês, também o território português seria dividido em províncias comarcas e concelhos.
[9 Ver Diogo Freitas do Amaral, Do Absolutismo ao Liberalismo: as Reformas de Mouzinho da Silveira, Edições Tenacitas, Lisboa, 2008. Veja-se também Maria de Fátima Brandão e Rui Graça Feijó, O discurso reformador de Mouzinho da Silveira, em Análise Social, vol. XVI, n.ºs 61-62,1980-1º-2.º, pp. 237-258 (disponível online)
[10] Em 1833 seria aprovado um Código Comercial (Ferreira Borges) e, no ano seguinte, as corporações de ofícios mecânicos seriam abolidas (foi esse o destino da célebre casa dos 24).
[11] Ver Vasco Pulido Valente, Os «Devoristas», A Revolução Liberal, 1834-1836, Quetzal Editores, Lisboa, 1993. Sobre a venda dos bens nacionais, pode ver-se ainda: Luís Espinha da Silveira, A venda dos bens nacionais (1834-43): uma primeira abordagem, em Análise Social, vol. XVI, n.ºs 61-62,1980-1º-2.º, pp. 87-110 (disponível online).
[12] Cfr., sobre esta temática, Maria de Fátima Bonifácio, A Republicanização da Monarquia – Perceber o século XIX Português – 1807-1880, Tribuna da História, Carnaxide, 2022.
[13] Ver Maria de Fátima da Cunha de Moura Ferreira, O casamento civil e o divórcio 1865-1910, Debates e representações, Universidade do Minho, 1993 (disponível online).
[14] Maria de Fátima da Cunha de Moura Ferreira, O casamento civil e o divórcio…,pp. 2 e 3.
[15] Segundo o Professor Menezes Cordeiro, teve ainda o Código como grande novidade, nesta sede, o ter estabelecido «um processo especial para a separação de pessoas e para a simples separação judicial de bens; anteriormente, a separação quoad thorum et cohabitationem era admitida pelo Direito canónico apenas havendo adultério da mulher e no caso de sevícias» («Antigamente, também se admitia por heresia»). Ver António Menezes Cordeiro, Divórcio e casamento na I República: questões fraturantes como arma de conquista e de manutenção do poder pessoal?, em Revista da Ordem dos Advogados – ROA, Ano 72, nº 1, 2012, pp. 86 a 88 (o escrito encontra-se disponível online).
[16] Sobre conflito geral entre o político- secular e o religioso na Europa do século XIX, ver Christopher Clark, Wolfram Kaiser, Culture Wars, Secular–Catholic Conflict in Nineteenth-Century Europe, Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
[17] «As Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas, que tanto a têm oprimido e ainda oprimem, tiveram sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação e precaver-se que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição Política, a fim de segurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses».
[18] Eis o texto completo do mencionado artigo 8.º – «As Cortes nomearão um Tribunal Especial, para proteger a liberdade da imprensa, e coibir os delitos resultantes do seu abuso, conforme a disposição dos art. 177 e 189. Quanto porém ao abuso, que se pode fazer desta liberdade em matérias religiosas, fica salva aos Bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, e o Governo auxiliará os mesmos Bispos, para serem punidos os culpados».
[19] «DOM PEDRO POR GRAÇA DE DEUS, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço Saber a todos os Meus Súbditos Portugueses, que Sou Servido Decretar Dar e Mandar jurar imediatamente pelas Três Ordens do Estado a Carta Constitucional abaixo transcrita, a qual de ora em diante regerá esses Meus Reinos e Domínios, e que é do teor seguinte:».
[20] Eis a fórmula, ambivalente e ambígua, que precedia o texto constitucional de 1838: «DONA MARIA, por Graça de Deus, e pela Constituição da Monarquia, Rainha de Portugal, e dos Algarves, d’aquém e d’além Mar, em África Senhora de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. Faço saber a Todos os Meus Súbditos, que as Cortes Gerais, Extraordinárias, e Constituintes Decretaram, e Eu Aceitei, e Jurei a seguinte: CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA MONARQUIA PORTUGUESA».
[21] Como recentemente reconheceu Rui Ramos – ver O liberalismo português como problema religioso, em Manuel Clemente, O Catolicismo, Portugal e a Europa, Uma relação criativa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, posfácio. Sobre a problemática do Liberalismo como credo potencialmente integral e respetivo desenvolvimento, ver, em geral, Patrick J. Deneen, Porque Está a Falhar o Liberalismo?, Gradiva, Lisboa, 2019.
* O presente texto corresponde, no essencial, a comunicação apresentada no Colóquio O Marquês de Marialva no contexto político constitucional coevo [4.ª sessão da evocação história de D. Pedro Vito de Menezes (1775-1823), por ocasião do II centenário da sua morte], o qual teve lugar no salão nobre da SHIP (Sociedade Histórica da Independência de Portugal), dia 11 de dezembro de 2023, pelas 17 horas. Retoma-se anteriores trabalhos do autor: Liberalismo e sociedade católica em Portugal: enfrentamento de fundo e algumas tensões explícitas, em Fuego y Raya, Año 8, Nº. 15, 2018, pp. 179-191; Constituição e Religião na fundação do Estado Liberal português: tópicos para uma problematização em tempos comemorativos, em Remedios Moran Martin (ed.), Trienio liberal vintismo rivoluzione: 1820-1823. España Portugal e Italia, Thomson Reuters/Aranzadi, Cizur Menor, 2021, pp. 541 a 551.
** Universidade Europeia