A Restauração e o Brasil *

Mapa da chegada dos portugueses ao Brasil (Alberto Cantino - 1502) Mapa da chegada dos portugueses ao Brasil (Alberto Cantino - 1502)
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Herlander Alves Machado **

Quis a indulgência e bonomia do Sr. Dr. Álvaro Reis Gomes, ilustre membro da Direcção da Sociedade Histórica da Independência, advogado de mérito e prestigioso director da Escola Comercial de Veiga Beirão, trazer-me aqui, para uma conferência perante este auditório distinto que costuma honrar com a sua presença as realizações desta patriótica instituição.
Tal facto, acarretando-me embora responsabilidades aparentemente insuperáveis, pela carência de tempo disponível que caracteriza os meus dias, estimulou-me a tal ponto, com uma tão irresistível força encorajadora, que não pude deixar de corresponder à gentileza do convite e aqui estou perante Vossas Excelências, afirmando: PRESENTE.

O tema que escolhi é um dos capítulos mais belos e representativos da nossa História Pátria. Falar da Restauração da Independência de Portugal é redobrar os nossos sentimentos patrióticos, encarecer o valor dos nossos antepassados, cair em profunda admiração pelos homens que lutaram e deram realidade aos mais puros ideais do NACIONALISMO.
Não foi triunfo fácil o nosso. A vitória final foi conseguida depois de vinte e oito anos de lutas em que a sorte das armas foi por fim fagueira aos anseios dos melhores portugueses. Mas não foi obtida sem grande dificuldade.
Uma visão superficial pode levar à crença de que o triunfo adveio de forma miraculosa e que este logo ficou a vislumbrar-se depois do famoso acto de excitação em que se atirou com Miguel de Vasconcelos pela janela do Paço. Porém, esse êxito foi conquistado gradualmente, sofreu as vicissitudes da guerra e derivou, afinal, da prevalência dos verdadeiros interesses nacionais.
Lenta e gradualmente, a vitória foi tornando vulto mercê da remoção dos inúmeros obstáculos da condução hábil e firme da diplomacia e dos cuidados postos na organização das hostes militares.
Seria estultícia afirmar que na Restauração não houve aspectos negativos, facetas obscuras, obliteração do entusiasmo dos primeiros tempos. Evidentemente que há aspectos positivos e aspectos negativos. Não podia deixar de ser assim – a menos que ao povo português fosse dado o usufruto das perfeições mais ideais, mais transcendentes. Mas o triunfo da causa nacional assentou na sobreposição dos aspectos positivos, resultando, assim, mais brilhante e significativo, porquanto do exame das dificuldades e da análise imparcial dos desmandos e tergiversações, verificáveis em alguns sectores, deriva uma valorização do patriotismo e da tenacidade dos que conseguiram a, materialização da, desejada, INDEPENDÊNCIA.

A Restauração é acima de tudo um acto de vontade, de vontade férrea – entenda-se – porquanto a nação sentia bem o peso da sua infelicidade progressiva, sofria por tabela os infortúnios que vinham corroendo o poderio da Espanha e não perdera, através desses longos 60 anos de submissão aos Filipes, o sentimento nacional que edificara um passado pleno de gloriosas tradições.
Factores materiais e factores espirituais conjugavam-se para a criação de um ambiente gerador de rebeldia.
De um lado, os ataques sucessivos dirigidos ao nosso património ultramarino pelos inimigos de Espanha tornados inimigos de Portugal. Do outro, os excessos tributários que à nação, depauperada e desiludida, eram impostos por exigência das lutas que exauriam o erário régio de Espanha.
Ciosa da Independência, das prorrogativas e reivindicações que lhe haviam sido prometidas nas Cortes de Tomar, a nação sente o ulular das vozes de um patriotismo que não fenecera, que no mais íntimo de si própria sempre havia sabido guardar e ao desespero segue-se a reacção voluntariosa que tudo vence, que tudo derruba de quanto se opõe à força portentosa do seu querer.

Os homens que empreenderam o movimento restauracionista estavam dispostos a empregar todos os meios para a consecução da independência. Porém, sendo o Duque de Bragança o esteio das suas esperanças, não admira que desde cedo se apodere deles um desanimo desorientado pela esquiva de D. João aos apelos que secretamente lhe eram dirigidos.
Em aparência «observava-se que o Duque não descobria outra inclinação mais que o exercício da caça, que nas alterações de Évora não só desprezava as ofertas que repetidamente lhe fizeram os povos, persuadindo-o muitos da nobreza que aceitasse». (Conde da Ericeira – História de Portugal Restaurado).

Capa da obra "D. Duarte de Bragança" de Rocha Martins, da colecção "Heroes, Santos e Mártires da Pátria"
Capa da obra “D. Duarte de Bragança” de Rocha Martins, da colecção “Heroes, Santos e Mártires da Pátria”

Por estas razões, os conspiradores quase se desorientavam. Onde só havia prudência e cálculo, onde só existia uma consciência do perigo e uma preocupação de evitar acções precipitadas, os exaltados e ferverosos patriotas da conjura «começaram todos – segundo as próprias palavras do Conde da Ericeira – a discorrer sobre o remédio de tantos males como o reino padecia, e a queixarem-se do Duque de Bragança, que era a causa de tanta ruína, não querendo aceitar a coroa que lhe ofereciam» (idem, obra citada).
Perante a recusa do Duque pensam os conjurados em convidar seu irmão – D. Duarte «composto de excelentes virtudes em quem reconheciam espíritos militares que abraçam facilmente empresas dificultosas». (Obra citada).
Também D. Duarte deixa os conjurados perplexos e quando estes lhe pediam para não sair do País, em 1638, nem por isso ele deixou de partir para o centro da Europa onde continuou a praticar grandes feitos ao serviço de Francisco II e de Fernando III. E afinal para não mais poder regressar à Pátria.
Entretanto os conjurados, porque o seu animo era forte, encaram a formação de uma REPÚBLICA «trazendo por exemplo Veneza, Génova, e Holanda, onde sendo as utilidades comuns e os ricos iguais – são as próprias palavras de Ericeira – se conservava a união incontrastável». (Obra citada)
Judicioso e convicto, logo o autor da História de Portugal Restaurado diz que então se considerou «a diferença, das nações e o defeito que os portugueses padecem na dificuldade da união, sentindo ordinariamente mais que a desgraça própria a fortuna alheia – desconcerto que totalmente, destrói todos os fins de uma república». (Obra citada)
Neste passo transcrito, o Conde da Ericeira denuncia uma consciência exacta de que nesse momento era bem verdade ser a solução monárquica a solução nacional.
Nestas delongas ia crescendo a desorientação dos conjurados, chegando o próprio João Pinto Ribeiro a propor que se aclamasse o Duque sem seu consentimento «porque vendo-se metido no empenho, antes havia de querer ser Rei do que vassalo suspeitoso». (Obra citada)
O certo é que o Duque de Bragança não se movia da sua atitude prudente apesar de repetidas vezes solicitado, desde a revolta do Manuelinho de Évora. Direta ou indirecta, a própria missão do Embaixador de França, Sain Pé, em 1638, não lograra conduzir o Duque à atitude por que ansiavam os conspiradores. E, no entanto, Luís XIV fazia valiosos prometimentos militares e instruira o seu em baixa dor para que mostrasse aos portugueses «em seguida, a sinceridade da França, tão grande para os portugueses, que, se eles quiserem libertar-se do domínio da Espanha, ela nada mais pretende que a glória dos socorrer». (Roma du Bocage – Subsídios para a História das Relações Exteriores de Portugal)
Estamos em 1640 quando a Junta dos Nobres resolve apelar de novo para o Duque de Bragança. Sabia-se bem que o momento era oportuno «porque, ainda que a empresa era grande, parece que a facilitava a guerra de França e as revoluções da Catalunha, repartindo-se de sorte o poder dos castelhanos que seria fácil desbaratar o que trouxessem à oposição do intento proposto». (Hist. Port. Rest.)
O Duque vai finalmente tomar a atitude decisiva dando prova eloquente do seu patriotismo verdadeiro quando o seu secretário António Pais Vieira lhe pergunta se ele, Duque, «se acaso os portugueses formassem república» tomaria o partido do rei Espanhol ou o de Portugal. Então o Duque de Bragança afirma categoricamente «que sempre estivera deliberado a se não apartar do comum consentimento do reino e qualquer perigo a que se arriscasse por defesa da Pátria teria por muito suave. (Hist. Port. Rest., 1.º vol., pág. 110)
A decisão do Duque não podia, pois, ser diferente da que então depois se verificou. «Se pela pátria se resolvia a arriscar a vida sendo vassalo de uma República, quanto mais glorioso e quanto mais conveniente era empenhá-la sendo Rei de um reino que lhe pertencia». (Hist. Port. Restaurado)
E a partir desse momento, D. João de Bragança não é já o hesitante que fizera amargurar o fervor dos conjurados. Vemo-lo decidido mesmo quando à última hora os conspiradores se arreceiam e vacilam. Nesse momento o Duque mostra a força do seu querer, a constância da sua decisão, a confiança consciente no triunfo da sua causa, a temeridade de que parecera não ser capaz.
Não me parece haver fortes motivos para negar que o Duque de Bragança se decidiu à Empresa no momento oportuno, garantindo assim o êxito verificado. De contrário, certamente se teria comprometido o triunfo, por precipitação, por gesto irreflectido ou por menos clarividência.
Não defendemos um condicionalismo na História, pois sabemos quão problemática é a inclusão da palavra SE em qualquer estudo histórico. Mas não podemos deixar de pensar por vezes no que sucederia se o Duque se tivesse decidido logo após o Manuelinho de Évora, quando as primeiras sondagens lhe foram feitas. Não entrarei em conjecturas arquitectando um edifício sem solidez. Mas penso, de mim para mim, que D. João de Bragança agiu no momento oportuno, depois de ter quedado um pouco as desconfianças que pudessem surgir em Espanha sobre a sua fidelidade de vassalo.
Talvez que a própria nomeação do Duque para general das Armas do Reino tivesse um duplo objectivo para os espanhóis: fazer com que os portugueses vissem em D. João um servidor de D. Filipe III em quem o monarca espanhol tinha toda a confiança – o que equivaleria à desconfiança dos portugueses – e dar-lhe uma oportunidade (certamente condicionado) para num acto precipitado utilizar as forças cujo comando lhe era entregue. Não podemos afirmar, no entanto, que assim tivesse sido, pois tal conjectura carece de provas que não sejam a simples insinuação do Conde da Ericeira.
Decerto sabemos que D. João continuou agindo inteligentemente nestas circunstâncias, sem se pronunciar, enquanto «sondava os corações de todos sem se declarar com algum deles», (in História de Portugal Restaurado)
No desempenho das funções de Governador das Armas em que o Duque é investido, por ser previsto – segundo se disse – um ataque da armada francesa a Portugal, veio D. João a Lisboa para visitar a Duquesa de Mântua.
Aparentemente, pois, a fidelidade do Duque de Bragança era perfeita.
Em Junho de 1640, a revolta da Catalunha veio trazer novos rumos ao andamento da conjuração portuguesa, não tardando que o Conde Duque de Olivares viesse a enveredar por um caminho que mais acirrou o ânimo dos portugueses.
Novos impostos sobre a nação foram encarados e, como se tal não chegara, decidiu-se desviar para a Catalunha algumas tropas portuguesas.
Esta medida, contrária sem dúvida ao que fora capitulado nas cortes de Tomar, tinha uma dupla vantagem para a Espanha: Diminuir a vitalidade bélica de Portugal e reforçar o poderio de Espanha contra a Catalunha rebelada.
Os impostos projectados eram outro motivo de reacção por parte dos portugueses, como se depreende da leitura do célebre sermão do Padre Lourenço Vivas, pronunciado pouco depois de consumado o golpe de 1640.
Dele recordamos uma passagem:
– «Pergunto: há mais tributos para este pobre Reino?
Respondo: ainda lá vinham mais, se não amanhecera Sábado, primeiro de Dezembro de 1640».
E o orador enumera seguidamente os vários tributos que os Espanhóis pensavam decretar terminando assim essa parte da sua entusiástica oração: «que há-de pagar cada casa oito vinténs cada ano de ter chaminé». (in História de Portugal, dirigida por Damião Peres)
Temos, pois, visto que os impostos então encarados pelo conde-duque de Olivares e a revolta da Catalunha vieram ter efeitos importantes na disposição dos portugueses para a revolta. Demais pretendia-se retirar de Portugal o Duque de Bragança que era consequentemente convocado para ir cooperar na Campanha da Catalunha.
Nesse momento em que as atenções de Espanha se dividiam por vários campos de luta agravavam-se os problemas de Olivares, formando-se um jogo de circunstâncias que favoreciam as nossas pretensões.
É nesse momento que a têmpera de D. João de Bragança se revela totalmente, mostrando, enfim, que aderia abertamente, sem mais delongas, sem mais um momento de hesitação. E quando se ultimam os preparativos e se verificam algumas hesitações nos conspiradores que não atinavam com o MODUS FACIENDI nem com o momento azado para a empresa é D. João quem decide que o golpe parta de Lisboa para não deixar ganhar tempo à Duquesa de Mântua.
Então a sua atitude é firme a ponto a se mostrar resolvido a operar sozinho no Alentejo se em Lisboa não se resolvessem a actuar com a celeridade aconselhável. (Gregorio Almeida in Rest. Port. Prodigiosa)
Neste meio tempo, quando os conjurados procuravam aliciar à sua causa um dos homens mais estimados na época, D. João da Costa, este salienta prudentemente a carência em que se estava dos 4 elementos necessários para um corpo de guerra: – gente, armas, dinheiro e cavalos.
Com que contavam?
Esperavam um milagre?
Este reparo quase faz desorientar os conjurados tendo então João Pinto Ribeiro mandado um emissário a Vila Viçosa para que ficasse adiada a revolta. Afinal, pouco depois enviará novo aviso mantendo a data de 1 de Dezembro para a rebelião.
Aliciados o Juiz do Povo e os 24 dos mesteres, falou-se em seguida ao Arcebispo de Lisboa, D. Rodrigo da Cunha, o qual, segundo o testemunho coevo do Dr. António de Sousa Macedo, expresso na LUSITÂNIA LIBERATA, lhes disse «que o reino de Portugal fora injustamente usurpado por Filipe II, mas que pertencia, sem dúvida alguma, ao Duque de Bragança e que quem lutasse por este defenderia a Justiça».

Arcebispo D. Rodrigo da Cunha
Arcebispo D. Rodrigo da Cunha

Nas vésperas da Restauração contava-se pois, com o Arcebispo de Lisboa, com o Juiz do Povo, com a mais representativa Nobreza do Reino e com a Casa dos 24.
Eram poucos os senhores do segredo? Talvez. Mas contava-se com o Povo, esse povo português sempre disposto a dar a vida pela pátria, agora cerceada na autonomia que nas Cortes de Tomar lhe fora reconhecida. Aceitara-se uma monarquia dualista em que de comum só se reconhecia o Rei. Olivares esqueceu ou pretendeu fazer esquecer as actas de Tomar. Esse foi, porventura, o seu maior erro em relação a Portugal.
Sem rebuço podemos afirmar que o sentimento nacional continuava vivo. E a comprová-lo temos a corrente de SEBASTIANISMO, a crença na vinda do Rei natural português que salvaria a pátria das humilhações que vinha sofrendo.

Retrato de D. João, Duque de Bragança (1630)
Retrato de D. João, Duque de Bragança (1630)

São felizmente extremamente conhecidos e venerados os sucessos ocorridos naquela manhã de sábado primeiro de Dezembro de 1640. Porém nem sempre se atenta de modo, completo na reacção do Povo.
Em primeiro exame choca-nos que o povo não viesse logo para a rua para ajudar na empresa. «O estrondo, a confusão e a incerteza – diz o Conde da Ericeira – havia obrigado os moradores da cidade a se recolherem a suas casas, e, por esse respeito, não acharam os confederados junta a gente que supunham, de que se afligiram muito». (Hist, Por. Restaurado 1.º Vol. pág. 123)
Parece-me que, afinal, esta atitude do povo é determinada pela ignorância do que se passava e não por amolecimento patriótico. Nada disso. É preciso não esquecer que a conspiração havia sido feita em segredo cuidadoso. Como poderia o povo saber as determinantes do alarido?
O certo é que, uma vez sabedor do que se passava «concorreu todo o povo a aclamar com grande afecto o novo Rei». E temos nesse momento a populaça na rua, enfileirando no desfile que se fazia com a bandeira da cidade e com a presença do arcebispo D. Rodrigo da Cunha.
Vibrante, confiado nos destinos da Pátria, fervoroso na crença de uma protecção divina ao reino de Portugal, eis pouco depois, esse mesmo povo voluntarioso, a clamar em atitude quase mística, dando rédeas soltas à sua imaginação, e crendice incondicional – pois vira que «uma imagem de Cristo crucificado despregara o braço direito».
Então «gritou o povo prostrado por terra, que era milagre, e todos cobraram invencível confiança de que Deus aprovava a gloriosa deliberação». E «em toda a cidade não soavam mais que vivas aclamações ao novo Príncipe». (in História Portugal Restaurado)

Estava consumada a Restauração de Portugal. D. João IV que, ainda antes de saber o resultado obtido em Lisboa, já se dirigira em 2 de Dezembro, como soberano, por carta régia datada de Vila Viçosa, à Câmara de Évora, (António Francisco Barata in Évora Antiga) vai chegar a Lisboa a 6 de Dezembro para iniciar o seu governo. E como o caminho a seguir era o da organização de todas as forças para o embate que fatalmente viria a dar-se, logo inicia uma série de medidas adequadas.
Assim, resolve criar em 11 de Dezembro o CONSELHO DE GUERRA para prover em todos os assuntos relativos ao exército. Vem a seguir a JUNTA DAS FRONTEIRAS que haveria de cuidar das fortalezas fronteiriças, da defesa de Lisboa, das guarnições e dos portos de mar. Vem, ainda em Dezembro de 41, a criação da TENÊNCIA para assegurar o artilhamento das fortalezas, com o produto das TERÇAS dos concelhos.
Depois são restabelecidas as LEIS MILITARES DE D. SEBASTIÃO, visando reorganizar o exército. E, a par de tudo isto, desenvolve-se uma intensa actividade diplomática, que muitos benefícios trará ao país.
Entretanto, pelas cortes de 1641 fora resolvido instituir a JUNTA DOS TRÊS ESTADOS, com o objectivo de assegurar as receitas necessárias às despesas da guerra.
Em relação às terras do Império, registaram-se também – cuidados especiais consubstanciados, afinal, na criação do CONSELHO ULTRAMARINO que por decreto de 1642 irá ocupar-se de todos os assuntos relativos às colónias, bem como à regularização e provimento das armadas da India e demais parcelas do Império Português. (Marcelo Caetano)
Como ficou patente, procurava-se organizar a defesa no nosso património, antevendo a longa duração das lutas que iam seguir.
Durante os 16 anos do seu reinado D. João IV agiu sempre com prudência na resolução dos mais espinhosos problemas. A prudência que o acoimou de irresoluto foi, afinal, uma das suas melhores armas na defesa dos interesses do país. Por isso não se decide a fazer a guerra ofensiva contra os espanhóis, apesar das censuras que lhe são feitas por Luís XIV. Jant, o embaixador francês, fará ver ao Rei de Portugal que «não era justo que enquanto ele», rei de França, «não poupava nem a vida nem a fazenda dos seus vassalos, colhesse D. João IV o benefício com ser um mero espectador».
A prudência do nosso Rei mais uma vez nos prestava bom serviço, pois não correria riscos sem que a França firmasse connosco uma LIGA OFENSIVA e DEFENSIVA pela qual tivéssemos a garantia de que o Rei francês não faria uma paz em separado com a Espanha – facto que afinal veio a dar-se em 1659, com a Paz dos Pirenéus, já sob a regência de D. Luísa de Gusmão.
Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664) e Montes Claros (1665) são as vitórias alcançadas depois da Paz dos Pirenéus que tinha conduzido a Guerra com a Espanha à sua fase mais aguda.
Para a execução destes triunfos teve, entretanto, que se multiplicar a actividade organizadora, primeiro sob a vigilância da Rainha Mãe, depois pelos cuidados do Conde de Castelo Melhor. E por medidas sucessivas, obrigou-se o povo já exausto de lutas a colaborar na defesa do país, perseguiram-se os desertores, recrutaram-se soldados e, a cada crise, correspondeu um cuidadoso trabalho de refazimento das forças do exército, pondo cobro aos desmandos e à indisciplina.
Não devemos admirar-nos de que houvesse então necessidade de perseguir desertores, porque sempre os encontramos em qualquer história. Os desertores portugueses dessa época fugiam das fileiras em parte devido a «duas desesperações» – no dizer do autor da Arte de Furtar – «uma de provimento, porque quem serve o merece; outra de liberdade, porque nenhuma nação do mundo os obriga mais que a tempo limitado». E em verdade os nossos soldados não podiam ser rendidos periodicamente como convinha.
Também a falta de provimento levou alguns à criminosa prática de venderem as próprias armas de fogo aos ferreiros e aos serralheiros que as desfaziam na fundição, quando tanta falta delas havia para a defesa do reino. Por isso D. Luísa de Gusmão mandou publicar em 25 de Setembro de 1660, um alvará que encontrei inédito nos Reservados da Biblioteca Nacional e que publiquei na Revista MUNDO em Dezembro do ano passado. Com ele proibia-se aos ferreiros a compra dessas armas «ainda que quebradas sejam».

Através do que ficou dito patenteia-se claramente que se conseguiram vitórias tão importantes sobre os espanhóis foi porque uma vez mais se verificou a sobreposição dos valores positivos da nação ao lado negativo representado pelos que se desviaram dos interesses da GREI.
Em complemento dos aspectos focados, visaremos seguidamente apreciar o que, entretanto, ocorreu num dos mais ricos domínios ultramarinos do sec. XVII – O BRASIL.

Mapa do Brasil, do Atlas de João Teixeira (1640)
Mapa do Brasil, do Atlas de João Teixeira de Albernaz de 1640

No momento da Restauração a economia do Brasil havia deixado já o período a que podemos chamar CICLO DO PAU BRASIL, para entrar numa nova fase, mais rendosa e de estrutura mais sólida, a que se pode aplicar o nome de CÍCLO DO AÇÚCAR.
Evidentemente que não queremos afirmar com esta modificação de terminologia que o pau brasil tivesse então deixado de representar qualquer interesse económico. O que se passa é bem diferente. Há apenas uma potencialidade económica maior advinda da exploração dos engenhos de açúcar.
O pau brasil, agora diminuído no seu valor económico, perdera o monopólio das atenções porquanto estas se concentravam na exploração do açúcar. No entanto, havia ocupado um lugar de tal modo importante que o próprio nome de Santa Cruz ou de Vera Cruz, inicialmente dado às terras portuguesas da América do Sul, cedeu perante o uso do nome que afinal vingou: – BRASIL, isto é terra do pau brasil.
Parafraseando uma nota da edição portuguesa de «LE BRÉSIL» de Maurice Le Lannou, deu-se na mesma designação de Brasil uma «sugestiva vitória do lucro sobre o Evangelho».
Passado o período inicial de exploração incipiente, em que o Brasil atravessou uma época mítica que deu ensejo às histórias legendárias do CARAMURU e de João Ramalho, novos rumos foram dados àquele território português.
Em verdade – e sem que nisso haja concordância com as diatribes feitas pelo historiador brasileiro JOÃO RIBEIRO – o Brasil continuava por explorar até ao fim do reinado de D. Manuel I e ficara entregue à cobiça dos aventureiros e ao estádio pré-histórico dos indígenas TUPIS, GUARANIS, TAPUIAS, NU-ARUAQUES, etc.
A Portugal, pequeno país, de fraca densidade populacional, seria difícil tomar uma atitude diferente da que tomou nessa época. Os lucros da Índia eram mais vantajosos e quem arriscava a vida nas naus, ou investia no seu provimento grossos cabedais, aspirava muito naturalmente a colher benefícios. E estes estavam mais ao alcance no Oriente.
Creio que não podemos com justiça desligar os interesses espirituais – que os havia sem dúvida – dos interesses materiais. Há que evitar uma visão unilateral dos factos para não sermos injustos.
Quando aumentou o perigo do assédio de estrangeiros ao Brasil, D. João III logo enviou uma esquadra com fins de protecção ao litoral e também com o fito de fomentar o seu povoamento. Comandada por Cristóvão Jacques, essa esquadra partiu em 1526.
Daí por diante o interesse pelo Brasil irá aumentar progressivamente, evidenciando-se em várias disposições régias uma preocupação de salvaguardar os direitos portugueses no Brasil, em consequência do conhecimento dos seus recursos e talvez na previsão do seu valor futuro.
Já Martim Afonso – em 1530 – levava a incumbência de defender, alargar, explorar e colonizar as terras de Além Atlântico. Já em 1532, ao instituir as capitanias e entregando-as aos donatários que haveriam de levar «gente e navios à sua custa em certo tempo», D. João III demonstrara a sua intenção de não deixar perder esses domínios. Não admira, pois, que esse mesmo Rei, sempre em busca da melhor fórmula e tirando ilações conscientes de toda a experiência passada, venha a instituir em 1548 o Governo Geral do Brasil, para cercear os males provindos da forma neo-feudal das capitanias que conduzia ao particularismo e egoísmo dos seus donatários. (Diário de Pero Lopes de Sousa in Jaime Cortesão)
Entretanto, já Martim Afonso havia instalado no Brasil o primeiro engenho de açúcar, primeiro passo para a grandeza futura da colónia. Efectivamente, a cultura da cana do açúcar viria a desempenhar um papel importantíssimo na economia brasileira, entrando então o Brasil no CICLO DO AÇÚCAR.
A proliferação dos engenhos do açúcar andam ligados aos problemas da escravatura dos índios, a qual irá dar ensejo ao desenvolvimento de um papel extremamente relevante por parte dos JESUÍTAS. Estes entrarão a opor-se tenazmente aos abusos dos colonos. Porém, é certo que aos engenhos era necessária a mão de obra escrava. Daí deriva o desenvolvimento atingido pelo comércio esclavagista que utilizará os mercados da Guiné e de Angola.
Na protecção aos índios, os Jesuítas representam nesta fase o elemento moral da colónia. Do outro lado, por vezes em oposição violenta, está o interesse material dos colonos.
O crescente desenvolvimento da cultura do açúcar vem, assim, emprestar extrema acuidade à PROBLEMÁTICA ESCLAVAGISTA e ao mesmo tempo trazer ao Brasil um florescimento notável. Embora menos valioso que o da Madeira, o açúcar brasileiro atingirá uma tal importância que DIOGO DE MENESES, então governador geral, escreverá em 1609 para o reino:
«Creia-me Vossa Magestade, as verdadeiras minas são de açúcar e pau brasil». (in História de Portugal, dirigida por Damião Peres, Lúcio de Azevedo, vol. V pág. 314)
Também é elucidativo o facto de nesse mesmo ano existirem no Brasil 363 engenhos de açúcar, segundo a informação do códice de Castel Melhor a que PEDRO CALMON faz referência no Estudo o BRASIL, POLITICO – MILITAR.
As perspectivas económicas do Brasil eram pois muito mais impressionantes no começo do sec. XVII. A exploração do pau brasil, a sucessão das «entradas» e das «bandeiras» em perigosíssimas infiltrações pelo interior, foram etapas gloriosas da construção de um Brasil portentoso.
Também aqui houve desmandos, é certo. Se atentarmos nas entradas dos colonos para escravizarem os índios e recordarmos as querelas havidas entre os Jesuítas humanitários e os colonos gulosos de lucro, temos de concluir que nem tudo é louvável na acção portuguesa.
Não obstante escreveram-se no Brasil páginas de verdadeira epopeia, havendo muito de esforço e de corajosa perseverança. Teremos de reconhecer que assim é se nos lembramos dos riscos enfrentados por esses exploradores do território brasileiro e da morte encontrada por tanto deles, frente aos índios selvagens que ainda praticavam a antropofagia. Da sucessão de esforços, da laboriosa busca de riqueza, saíram as zonas económicas em que assentou o edifício brasileiro. Surge a zona agrícola, estendida pelo litoral. Abre-se a zona da criação, rasgando os caminhos do norte. Busca-se a zona das minas, possibilitando o conhecimento do interior meridional…
E na cúpula de todo este esforço depõe-se a pregação, a brandura, a catequese dos Jesuítas, protetora dos indígenas.
É este o Brasil que vamos encontrar na hora da Restauração.

Engenhos de açúcar - Mapa de João Teixeira de Albernaz de 1640
Engenhos de açúcar – Mapa de João Teixeira de Albernaz de 1640

Quando em 1640 se deu o movimento que nos assegurou a Independência estava o nosso império ultramarino notoriamente desmantelado e reduzido. Dele restavam, no entanto, dois blocos muito importantes: – o do Atlântico, englobando o Brasil e Angola e o, do Oriente, constituído pelo território de Moçambique, pela India e pelas parcelas do extremo asiático.
Já deixámos antever que o Brasil era a parte mais importante desse bloco atlântico, não nos causando admiração que sobre ele tivessem incidido os olhares dos franceses, dos holandeses e dos ingleses.
Sucedem-se desde muito cedo as tentativas dos estrangeiros para se fixarem no litoral brasileiro, notando-se desde D. João III uma preocupação de defesa, em face dos repetidos actos de pirataria que colocavam em sobressalto constante as capitanias.
Mas, se inicialmente apenas se tinham verificado os ataques dos corsários, isolados e sem conseguirem uma tentativa séria de ocupação do território, com NICOLAU DE VILLEGAGNON a situação da colónia portuguesa torna-se mais gravosa. Este ataque francês ao Rio de Janeiro tinha já intuitos de colonização, com o objectivo de assegurar um refúgio aos calvinistas perseguidos na pátria nessa turbulenta época de lutas religiosas.
Instalados na Ilha de Sergipe, os franceses lançam-se em acções de pirataria que põem em desassossego permanente os colonos portugueses.
Contando com a captação do gentio a exemplo do que conseguira Villegagnon, os Bretões e os Normandos, mesmo depois da sua expulsão do Rio de Janeiro, não deixam de continuar as tentativas para o estabelecimento, no Brasil, de uma NOVA FRANÇA. (Mem de Sá – Estácio de Sá).
Tais desígnios são, no entanto, fortemente contrariados pelos portugueses que lutam com esforçadas energias contra os franceses e os índios potiguares tornados seus aliados. Nas chamadas Jornadas do Norte reflecte-se o incomensurável desejo dos portugueses de expulsarem o intruso, o herege calvinista – vindo, afinal, a reflectir-se nestas lutas, pela 1.ª vez no Brasil, não só o fervor patriótico, mas o efeito das lutas político-religiosas que ensanguentavam a Europa.
Franceses, ingleses e holandeses não deixam de rondar o território brasileiro, espreitando oportunidades para o saque. Os assaltantes são autênticos piratas, impunes, apoiados por sociedades que livremente se constituíam, invocando perante os governos a sua intenção de lutar contra a Espanha e de pugnar pela consecução da liberdade do comércio.
O tipo-padrão desse corsário é o inglês CAVENDISH que realizou nos mares sucessivas rapinas a que emprestava, no entanto, uma cor cavalheiresca que o popularizou e tornou aplaudido, quando não passava de um aventureiro sem escrúpulos. Lancastre é outro corsário inglês que conhece a celebridade nessa época.
No entanto…

… Foi da Holanda que partiu o maior perigo para a colónia portuguesa do Brasil.
Depois de verem fracassar as suas primeiras tentativas para ocupação da Baía, empreendidas em 1598 e em 1599, os holandeses procuraram organizar-se melhor para a consecução desses desígnios, criando, em 1621, a Companhia das Índias Ocidentais. Dela dirá Oliveira Martins com toda subtileza do seu espírito crítico: – «Era um Estado constituído em Companhia de piratas».
Com a formação da Companhia das Índias Ocidentais coincide o plano para a ocupação da Baía que logo é posto em prática em 1624 e coroado de êxito.
Apesar dos esforços dos portugueses, entre os quais cumpre destacar o Bispo D. Marcos Teixeira que dirigiu a subsequente tentativa de expulsão dos holandeses, estes só serão expulsos mercê da armada de socorro enviada no ano seguinte por Filipe III que, afinal, revela nesta medida um louvável interesse pela colónia portuguesa fazendo incorporar na armada libertadora 38 navios espanhóis.
Expulsos da Baía, os holandeses empreenderam sem êxito novas tentativas para se fixarem nessa região, volvendo por fim os seus olhares para o território de Pernambuco, também notavelmente interessante sob o ponto de vista económico.
E Pernambuco é já domínio holandês em 1630, pertencendo a sua exploração à Companhia das Índias Ocidentais que se via, finalmente, de posse de uma das mais importantes parcelas do território brasileiro.
Tem se pretendido em aceitação das doutrinas expressas por GROTIUS num livro célebre – MARE LIBERUM – que os holandeses lutavam pela liberdade do comércio e contra o monopólio defendido por portugueses e espanhóis. A obra de GROTIUS, editada pela Companhia das Índias Ocidentais, pretendeu em verdade servir os interesses da mesma. A doutrina jurídica era assim colocada ao serviço dos interesses da Companhia que, afinal, lutava também por um monopólio – O SEU.
Mercê do seu estabelecimento em Pernambuco, o poder holandês no Brasil vai aumentando rapidamente sobretudo a partir de 1637, com a ida do Conde Maurício de Nassau para o Brasil, onde exerceu poderosa acção para enraizar a supremacia holandesa.
A Companhia soubera escolher o chefe mais apetrechado para o florescimento dos territórios conquistados. Efectivamente, o Príncipe Maurício de Nassau, gozando de reputação invulgar, irá desenvolver em Pernambuco uma actividade inteligente que tornou avassalador o domínio holandês.
Mais uma vez Filipe III irá procurar impedir a expansão holandesa no Brasil, enviando o Conde da Torre como governador Geral, em fins de 1638, e formando uma poderosa esquadra, composta de navios portugueses e espanhóis, que coloca à disposição do Conde da Torre. Todavia, as hesitações e delongas só permitem o ataque luso-espanhol a Pernambuco em Janeiro de 1640, dando, assim, tempo de sobra a Maurício de Nassau para organizar a defesa. Não é, pois, de estranhar que a expedição haja fracassado, vindo o Conde da Torre, sob prisão, para Lisboa…
Chegamos assim ao momento em que o Marquês de Montalvão é designado para governar o Brasil, com o título, nunca usado até então, de VICE-REI do BRASIL.
Pedro Calmon apreciará este facto nos termos seguintes, fazendo alusão ao padre António Vieira:
«Vieira não deixou escapar a ocasião da ironia: lembrava-lhe, a honraria aplicada a uma província arruinada, a «que depois de morta foi rainha».
Mas… «porquê Vice-Rei? A explicação é simples. Quisera Filipe IV opor ao governo do Brasil holandês, entregue a um príncipe de sangue, uma autoridade mais qualificada que os antigos governadores. Mostrava interesse maior pela preservação da colónia; reforçava-lhe a dignidade, na ordem militar e administrativa…»
Na ironia do Padre António Vieira, que transcrevemos de Pedro Calmon, expressa-se bem a situação do Brasil nesse ano de 1640.

Chegada ao Brasil a notícia fagueira da aclamação de D. João IV, o Marquês de Montalvão conseguiu conduzir os acontecimentos de modo a ser aprisionada a guarnição espanhola e secundado no Brasil o movimento restauracionista.
Se os holandeses tinham invocado a guerra contra a Espanha como justificativa dos seus ataques contra os domínios ultramarinos dos portugueses, parecia, agora, com a Restauração da nossa autonomia, que havia cessado o motivo para nos hostilizarem.
Tal não acontece, porém. Os ataques dos neerlandeses continuam a dirigir-se contra os nossos domínios. E é já depois da restauração que a Holanda nos usurpa Sergipe e o Maranhão, – em fins 1641 – no Brasil, e ocupa em Angola e Guiné os pontos nevrálgicos do comércio esclavagista (Agosto 1641).

Hugo Grotius (1583-1645)
Hugo Grotius (1583-1645)

Não obstante, o embaixador português TRISTÃO DE MENDONCA FURTADO tinha assinado em 12 de Junho de 1541, na Haia, um tratado de tréguas por dez anos.
Assim, assistimos nesta época a uma situação inusitada: – a de Portugal estar em paz com a Holanda na Europa e ser até seu aliado contra a Espanha e permanecer em guerra com os Estados Gerais nas restantes partes do globo. Não deixa de ser insólito o facto de os holandeses virem pacificamente a Setúbal abastecer-se do SAL, que lhes era indispensável, ao mesmo tempo que nos guerreavam no Oriente e no Atlântico. Tal situação, no entanto, será mantida durante 20 anos.
De facto, assinado o primeiro tratado em 1661, já sob a regência de D. Luísa de Gusmão, será assinado o acordo definitivo. Este, no entanto, não deixará de ser demasiado humilhante para os portugueses.
Efectivamente, pelo tratado de 1661, Portugal devia pagar à Holanda 4 milhões de cruzados, como indemnização pela perda do território brasileiro que a Companhia das Índias Ocidentais nos tinha usurpado e que, palmo a palmo, havia sido reconquistado entretanto pelos patriotas do Brasil.
Muito embora as condições impostas pela Holanda sejam pouco lisonjeiras para nós, temos de reconhecer que só foi possível salvaguardar o nosso património brasileiro mercê da assinatura desse tratado: Morosas, as negociações que a ele conduziram atravessaram momentos críticos, tendo-se chegado à situação de guerra declarada.
Nesse momento cruciante, o governo da regência de D. Luísa de Gusmão publica um manifesto em que se comenta o malogro das negociações diplomáticas, nos seguintes termos finais:
«DISSIMULOU-SE A OFENSA QUANTO FOI DECENTE OFERECEU-SE PELA PAZ QUANTO FOI POSSÍVEL E O CONTRÁRIO MOSTRA-SE SURDO À JUSTIÇA». (in Anais Acad. História – Artur Guimarães Araújo Jorge)
As negociações que culminaram com a assinatura do tratado de 1661 e do que o confirmou em 1668 foram seguidas pelo país com o maior interesse, a ponto do Padre António Vieira dar conhecimento ao embaixador português na Holanda, Francisco Sousa Coutinho, que «não havia conservação, tenda nem taverna em que se não discorresse sobre as tristes capitulações e seus autores». E o mesmo António Vieira, quando chega a encarar a entrega aos holandeses do território de Pernambuco, afinal a condição sine qua non para a paz, diria desassombradamente, no célebre PAPEL FORTE: «se Portugal e Castela juntos não puderam resistir à Holanda, como há-de resistir Portugal só à Holanda e Castela? (Araújo Jorge Anais Acad. Hist, Vol, VII)
Vê-se, pois, que o tratado de 1661 não deixou de representar uma conquista, embora cara, na medida em que salvou o Brasil da usurpação holandesa. Mas para que tal fosse possibilitado foi necessária a exemplar conduta dos portugueses do Brasil em seguida à Restauração, secundada embora pelas diligências diplomáticas efectuadas logo de início à ordem de D. João IV e pela atitude diligente do Conselho Ultramarino, criado pelo mesmo Rei.
Da luta empreendida do Brasil ressalta suficiente brilho e fervor patriótico para nos orgulharmos desses portugueses de então. As duas batalhas de GUARARAPES (1648 e 1649), são rudes golpes dirigidos contra as pretensões dos Estados Gerais. As vitórias que ali alcançámos, contra um exército triplamente superior, são decisivas para a definitiva expulsão dos holandeses do Brasil. Francisco Barreto, André de Vidal Negreiros, Martim Soares Moreno e tantos outros patriotas obram prodígios de valor e argúcia militar.
Também a reconquista de Angola, levada a efeito por Salvador Correia de Sá, mercê de uma expedição que com o apoio de D. João IV e do Conselho Ultramarino, fora organizar ao Brasil, veio contribuir para que os holandeses vissem bem a força do nosso querer e da nossa decisão.
Uma vez mais ficou patente a ligação natural que tornava complementares o Brasil e Angola, do ponto de vista económico e político. Já o holandês Maurício de Nassau o visionara quando resolveu conquistar Luanda. Já o Padre Antônio Vieira havia escrito com a visão clara que o caracterizou: – «sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros».
O poder português ficava restabelecido na costa ocidental continuando a afirmar-se no Brasil quando no Recife se consegue obrigar os holandeses à capitulação, em 1654.
As armas e a diplomacia tinham conjugado os esforços para salvar grandes parcelas do nosso império. O tacto diplomático dos nossos embaixadores, entre os quais cumpre salientar D. Francisco de Sousa Coutinho foi precioso aliado dos revoltosos de Pernambuco.
De 1643 a 1650, o embaixador D. Francisco de Sousa Coutinho foi o mais valioso aliado dos pernambucanos. Prolongando negociações, dilatando prazos estabelecidos para um acordo, aliciando boas vontades, porventura corrompendo consciências, o hábil diplomata utilizou ardis e tergiversações, a ponto de conseguir evitar que a Holanda enviasse ao Brasil, com a rapidez acessível aos seus enormes recursos, uma esquadra poderosa que certamente lhe permitiria voltar à posse dos territórios que lhe iam sendo reconquistados progressivamente.
A actividade diplomática que se seguiu evitou a represália holandesa que se temia, e, embora pagando bom preço, garantiu a manutenção da bandeira lusitana em terras brasileiras, onde – como diz Silva Rego – «Cessara de existir a NOVA HOLANDA e continuava apenas o NOVO PORTUGAL». Em verdade tal só fora possibilitado graças ao querer da colónia portuguesa do Brasil que – contando embora com o auxílio da Corte – se mostrara disposta a empreender por si a expulsão dos Holandeses.
E, esse Brasil português, palpitante ardoroso, símbolo de LUSITANIDADE, irá ceder o lugar ao Brasil dos brasileiros, orgulho da nossa raça, espelho em que se remira a Pátria progenitora que contemplando esse filho emancipado, além, no Atlântico, tem razões para lembrar esse decantado verso do Poeta:
Ditosa Pátria que tais filhos tem.


* Conferência realizada no Palácio da Independência a 16 de Abril de 1958.
** Licenciado em Letras pela Universidade de Lisboa.