Barroso da Fonte
Muito pouca gente saberá desta história, mesmo que sejam da cidade ou do concelho de Guimarães.O letreiro mais expressivo da Língua Portuguesa foi colocado há 44 anos.
Foi em 29 de Junho de 1976, quinta-feira, véspera do arranque das Festas Gualterianas, que um grupo de vimaranenses colocou na Muralha, mais concretamente na Torre da Alfândega, o letreiro que diz “AQUI NASCEU PORTUGAL”. Desde aí, ele identifica não só Guimarães, mas também o império que fomos e a Lusofonia que somos. E que também aqui nasceu.
Nunca lemos na imprensa escrita, vista ou falada, qualquer nota explicativa sobre essa aventura popular. Mas ela merece ser contada, antes que o tempo a apague da nossa memória colectiva.
Antes do letreiro existir, aquele espaço da muralha albergou um grande cartaz publicitário que lá esteve desde princípios até meados do século vinte. Quando ele foi retirado, a muralha só era adornada durante as festas da cidade, com um letreiro provisório, iluminado, que ali era colocado anualmente para dar as boas vindas aos turistas que chegavam, vindos da estação de comboios. E assim foi até 1976.
No frenesim político e social que se seguiu à revolução dos cravos, um pequeno grupo de cidadãos, inflamados de fervor bairrista, ainda para mais quando o clube de futebol local ia ganhando cada vez mais notoriedade a nível nacional e europeu, achou que a cidade onde nasceu Portugal merecia ter um símbolo desse orgulho vimaranense. Um orgulho que é bairrista e pátrio ao mesmo tempo, até porque, como reza o ditado: quem nasce em Guimarães é português duas vezes. E assim surgiu a ideia de perpetuar esse duplo espírito bairrista e patriótico com um letreiro naquela torre da muralha.
Mas os tempos pós revolução não eram muito favoráveis a esse tipo de demonstrações de fervor patriótico, mesmo que fossem completamente apartidárias. Por isso, a execução do projeto foi-se tecendo sem grande alarido por parte dos seus autores: três cidadãos que tinham estado à frente da organização das Festas Gualterianas de 1975 e que, em comum, tinham também o facto de serem sócios da Unidade Vimaranense. Dois já faleceram. O terceiro ainda está vivo. É graças a ele que podemos contar a história.
Três arrojados Vimaranenses
A organização das Festas da Cidade de 1975 teve um saldo positivo de 48 contos, na moeda de então. Aproveitando esse excedente pecuniário, o coordenador das Festas, Manuel Miranda, ajudado por outros dois membros da organização, Armindo Maria Fernandes e Laurentino Teixeira, estes últimos já falecidos, decidiu pôr em prática a ideia de colocar um letreiro na muralha, a lembrar que “Aqui nasceu Portugal”. Uma frase simples, mas imbuída de significado e simbolismo. O plano era inaugurar esse letreiro nas Festas Gualterianas do ano seguinte.
Para evitarem problemas e não ferirem susceptibilidades ideológicas, que naquele tempo andavam quentes e acirradas, os três arrojados vimaranenses, liderados pelo Manuel Miranda, meteram mãos ao trabalho. No meio de algum secretismo, negociaram as autorizações necessárias, um processo complicado na altura, e pediram a colaboração dos Bombeiros Voluntários de Guimarães, para que, no dia acertado, disponibilizassem a Escada Magirus. Na Neuolux, uma empresa portuense que se situava na Rua da Torrinha, mandaram executar o letreiro, que foi pago com o lucro das Festas.
Na véspera da inauguração das Gualterianas de 1976, uma quinta-feira, por volta das 11 da manhã, o plano foi posto em acção. Miranda e um técnico da Neuolux subiram e desceram através da Escada Magirus. Fernando Lage Jordão, proprietário da empresa responsável pelo abastecimento elétrico da cidade, em 20 minutos, ordenou a ligação do letreiro à rede pública. E lá está, até hoje: «AQUI NASCEU PORTUGAL».
A humildade dos três amigos contribuiu para que nunca reclamassem os louros por tal feito. O letreiro tornou-se uma imagem de marca da cidade, do país e, consequentemente, da Lusofonia, pois foi aqui que tudo começou. A história só não se perdeu na bruma da memória porque Manuel Miranda está vivo. E com relutância nos relatou a aventura.