João Miranda **
Quando em 2009, quer Guimarães, quer Viseu, decidiram, através das respectivas Câmaras Municipais, assinalar os 900 anos do nascimento de D. Afonso Henriques, deram mais ouvidos a congeminações e incertezas do que aos critérios de verdade.
Até hoje nunca foi encontrada qualquer prova científica que permita acabar com as dúvidas acerca do ano, e também do local de nascimento, do nosso Rei Fundador. Ainda hoje há muitas fontes escritas que defendem dezanove anos possíveis para o seu nascimento: entre 1094 até 1113.
Mas a tradição, por razões indutivas, não dedutivas, dá mais relevo a umas do que a outras. Por exemplo: o ano de 1106 é aquele que mais condiz com a inscrição gravada na placa de pedra junto à pia baptismal na Capela de S. Miguel do Castelo, em Guimarães. Aí se pode ler: “Nesta pia foi baptizado El-rei D. Afonso Henriques pelo Arcebispo S. Geraldo no ano do Senhor de 1106”. Essa placa foi lá colocada em 1664, por ordem do Prior da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, D. Diogo da Silveira.
Até ao tempo de Alexandre Herculano, o ano de 1111 foi aquele que teve mais peso e por mais tempo. Só após a morte de Herculano, a teoria prevalecente foi o ano de 1109. Mas este ano de 1109 ainda hoje alterna como o de 1111, como data mais provável para o nascimento. Tanto aqueles que defendem 1109, como os que defendem 1111, se estribam no ano da morte do seu pai, o Conde D. Henrique. Esse é o argumento indutivo mais seguro. Ou seja: também é apenas indutiva a teoria de que Afonso Henriques teria “entre dois e três anos” quando morreu seu pai. É deste princípio, e só dele, que resultam os anos de 1109 ou 1111. Se o Conde D. Henrique morreu em 1114, como durante séculos a tradição afirmou, subtraindo os tais três de idade que Afonso Henriques então teria, o ano de nascimento seria o de 1111. Aqueles que passaram a defender que o Conde D. Henrique faleceu em 1112, optam por 1109.(1)
Mas o ano de 1111 tem, em seu apoio, outro elemento não desprezível. É aquele que muitas fontes têm apontado: que Afonso Henriques “venceu a Batalha de Ourique no dia 25 de Julho, data em que completava 28 anos de idade”.
É importante salientar que, se ainda hoje se discute o ano e o local, quanto ao dia de nascimento a maior parte dos investigadores está de acordo que foi em 25 de Julho, dia de São Tiago.
Durante nove séculos deram-se alguns passos, mas curtos. Os critérios de verdade têm de assentar em factos reais e não hipotéticos. A ciência para o ser, sem hipótese de contradição, exige documentos fidedignos. Até ao dia em que esta edição da Revista 9 SÉCULOS(2) sair à rua, nenhuma nova prova se conheceu: nem certidões de nascimento, nem escrituras, nem cartas epigráficas, nem arranjos florais de pretensos investigadores, mesmo que tenham “compadres” (ou coagidos…) nas comunidades científicas de História, das Ciências ou outros organismos sonantes, que podem impressionar pelo mediatismo, mas não acrescentam nada ao conhecimento real, objectivo e irrefutável. E o que nos interessa é apenas a procura da verdade.
Factualmente, quando esses documentos não aparecem e há necessidade absoluta para decidir, recorre-se à tradição, que é o segundo critério de verdade.
Outro elemento indutivo que vem desde a fundação de Portugal, em abono do ano de 1111, é a data da Batalha de Ourique. Nas fontes sobre esse acontecimento afirma-se que foi após essa vitória militar contra os mouros que Afonso Henriques aceitou, pela primeira vez, considerar-se rei. Dizem essas fontes que, nesse dia 25 de Julho de 1139, Afonso Henriques fazia 28 anos de idade.
Está documentado por inscrições epigráficas, por recortes de jornais, por inscrições nos ladrilhos do “antigo” Toural vimaranense(3), que a tradição diz que foi em 1111 que nasceu D. Afonso Henriques. Em 1911 Guimarães celebrou os 800 anos do nascimento do Rei Fundador com pompa e circunstância, como se pode comprovar nos cartazes da Marcha Gualteriana desse ano.
Perante tantas provas, estas sim reais, embora fundadas na tradição, como se compreende que o nono século do nascimento do rei fundador fosse celebrado em 2009, dois anos antes dos 900 anos que a tradição defende?
Na falta de provas científicas concretas é a tradição que vale. Foi por isso fraudulento, em relação a 1911, esse centenário comemorado em Guimarães, e também em Viseu, em 2009.
O desmascarar de uma conspiração histórica
O que se passou em 2009, quer numa cidade, quer noutra, relativamente a essa “bandalheira” histórica, ficou a dever-se a factores exógenos à verdadeira História de Portugal.
O aproveitamento distorcido de um parágrafo histórico da autoria do Prof. José Mattoso, na reedição de um livro(4) do investigador beirão A. de Almeida Fernandes, pelo lobby de historiadores de Viseu, liderado pelo Professor universitário João Silva de Sousa, genro daquele autor que “inventou” a teoria de Viseu, e alguns seus seguidores, com o apoio da Câmara local, conseguiu despoletar uma crise historiográfica sem precedentes.
Conseguiram, inclusive, dar a volta à Presidente da Academia Portuguesa de História, Manuela Mendonça. A mesma que, em 29 de Janeiro desse ano, em entrevista à TSF, garantia: «aprendi, quase como dogma de fé, que Afonso Henriques nasceu em Guimarães em 1111. Mas que nascesse em 1109, em Viseu, não aprendi, com certeza». Alguns meses depois, Manuela Mendonça foi convidada para um Congresso de História em Viseu, onde algo misterioso aconteceu. A partir daí, passou a renegar aquilo que antes defendera. E foi esta mesma dirigente máxima que, em nome da Academia Portuguesa de História, viria a coordenar uma enciclopédia de 34 opúsculos que dá Viseu como local de nascimento do Rei Fundador. E ainda mais grave: anunciou na RTP que iria promover a alteração de manuais escolares, trocando Guimarães por Viseu como local de nascimento.
Este contorcionismo histórico só foi travado pelo Prof. José Mattoso, num Colóquio de História realizado em Lisboa, em Dezembro de 2009, quando reparou que estavam a usar abusivamente um parágrafo descontextualizado, retirado da sua Biografia de D. Afonso Henriques, para “legitimar” a teoria de Viseu e criar uma crise historiográfica. Isso ajudou a evitar a rocambolesca promessa de Manuela Mendonça de mudar os manuais escolares e travar os ultrajes à historiografia portuguesa. Por outro lado, em 25 de Julho de 2011 foi apresentado o livro D. Afonso Henriques 900 anos: 1111-2011, da autoria do investigador Barroso da Fonte, patrocinado pelas três Juntas de Freguesia da Cidade de Guimarães, que também veio desmascarar essa conspiração levada por obscuros interesses, cujos tentáculos começavam a estender-se pelo meio académico de História, pelo poder político e alguma comunicação social.
Em 2009, ano da consumação da fraude, Barroso da Fonte já começara a desmarcar a falácia(5), com documentos únicos, e provando que a teoria daquele medievalista viseense partiu de uma carta que, de verdadeira, só tinha o nome e o timbre de uma associação nessa altura (1990) já desactivada: a Unidade Vimaranense. Esse foi o isco para a pescaria da ambição de A. de Almeida Fernandes. Como ele sabia que, se passados novecentos anos, nenhuma prova foi encontrada, e se nenhuma decisão científica foi assumida como verdadeira, era, então, a altura certa de ser ele (A. de Almeida Fernandes) a sair da penumbra mediática e surgir como “pai da história nova” de Portugal.
Essa carta, que tinha a suposta assinatura do cidadão vimaranense Francisco Castanheira, foi a rampa de lançamento para Almeida Fernandes construir a sua ficção e proclamar que o rei fundador nasceu, indubitavelmente, em Viseu, no dia 5 de Agosto de 1109.
Mas, para que a sua teoria batesse certo, teria que idealizar-se um enredo em que, no prazo certo de trinta dias, entre Toledo-Viseu-Coimbra-Santarém-Lisboa, o Conde D. Henrique cumprisse objectivos irrealistas, e que estes corressem de feição, recrutando tropas e instrumentos bélicos durante a viagem para, em Sintra e Lisboa, rebater os infiéis que tentavam o regresso. Prevendo que tudo ia decorrer bem, e que sairia vencedor, o Conde D. Henrique marcou uma escritura para dia 29 de Julho de 1109, com a presença da mulher. Só que esta não pudera comparecer, pela proximidade do parto. Remarcaram, então, um novo cerimonial para Viseu, onde o nascimento teria de acontecer dia 5 de Agosto, para que a estória e o respectivo cronograma batessem certo. Uma ficção digna de Hollywood…
Só que Júlio Cruz, secretário geral da AVIS – Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu, mais o genro do “pai da história nova de Portugal”, João Silva de Sousa, sem querer, estragaram o “repolho”. E, assim, os seus seguidores foram os primeiros a dar cabo dessa teoria fantasiosa. Vejamos:
Desmontando a falácia
No livro Afonso Henriques (1909/1185) – “O Pai da Pátria”(6), editado nesse fatídico ano de 2009, na Colecção Visienses de boa memória, logo na página 5, deixaram cair a máscara, ao escreverem no primeiro parágrafo que Afonso Henriques “nasceu em 6 de Agosto de 1109”. E para que essa efeméride ficasse mais santificada, os “Visienses de boa memória” fizeram publicar no Jornal Expresso, de 14 de Março de 2009, uma reportagem, onde declararam: “a 15 de Agosto comemoram-se os nove séculos do nascimento do Fundador”.
Qualquer leigo que acompanhe este folhetim, conhecendo um pouco de quanto até à actualidade se escreveu e se congeminou em torno desta “pandemia histórica”, que se iniciou em 1990 e que teve o seu apogeu em 2009, fica convencido de que os tais amigos visienses de boa memória, liderados pelo genro do autor que congeminou esta ficção, tinham como intuito proclamá-lo “Pai da Pátria” ou pai da “nova história de Portugal”.
De facto Almeida Fernandes escreveu, no primeiro volume da Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que “Afonso Henriques nasceu em 1111”. É verdade. Está lá escrito pelo seu punho. Até 1990, o causador de toda esta confusão historiográfica defendeu, em muitos livros e revistas, que “Guimarães foi o centro mais importante do Condado Portucalense”(7). Ainda que ele próprio o divida em dois Condados, sem os caracterizar.
Depois do livro Feira e Não Faria, Almeida Fernandes travou polémica azeda com José Mattoso. Zurziu em todos os autores e professores doutorados, insultou todos e tudo aquilo em que se sentisse contrariado ou minimizado. Odiava todos aqueles que tivessem mais graus académicos, ou quantos dele discordassem. Chegava a ser verrinosa a linguagem que usava para desfeitear os seus adversários ideológicos. No entanto, até 1990 Almeida Fernandes foi um investigador profícuo e que procurava verdade histórica. O que lhe terá acontecido para renegar a civilidade e tudo o que escreveu até aí?
Em 1993 o Governo Civil do Distrito de Viseu pagou a edição do livro Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques, onde Armando de Almeida Fernandes reuniu os 12 capítulos anteriormente publicados, entre 1990 e 1991, na revista Beira Alta. Abundam insultos nesse seu livro depreciativo, sobretudo nas 405 notas de rodapé que usou, até à página 171. Mais: todo o posfácio de 18 páginas é ofensivo contra Guimarães e os vimaranenses.
Tudo isto começou a partir de uma carta de 20/4/1990, que ele próprio solicitou a Francisco Castanheira, um cidadão vimaranense que morreu pouco depois. Essa carta, de verdadeira, apenas tinha uma assinatura. Sem a presença do autor dessa assinatura ou de um documento identificativo, essa assinatura nada vale. Quando muito valida aquela cópia. Mas nunca o seu autor. Foi o que fez A. de Almeida Fernandes. Ora com essa fraude notarial, o medievalista construiu a ficção de que precisava para dizer, aos quatro ventos, que uma associação de Guimarães lhe encomendara um artigo no qual explicasse onde nascera Afonso Henriques: se em Guimarães, se em Coimbra. Essa era, na altura, a grande questão que se colocava. E que partira do historiador Luiz Krus.
Três anos depois, em 16/2/1993, Almeida Fernandes foi ao cartório notarial de Tarouca. A ajudante do cartório exarou: “conferiu a presente fotocópia pelo seu original”. Não cuidou de saber se o autor era verdadeiro ou falso. Por 300$00 Almeida Fernandes comprou essa fotocópia no cartório de Tarouca, a sua vida residencial, no distrito de Viseu. E com essa fotocópia conseguiu aquilo que era o ponto de partida para a congeminação da sua teoria, com que urdiu os doze capítulos que publicou na revista Beira Alta e, posteriormente, no livro patrocinado pelo Governo Civil viseense, cheio de induções, de probabilidades, de palpites. Mas nenhum, absolutamente nenhum, documento probatório.
A pantomina prosseguiu em 2009, quando a associação AVIS publicou o terceiro volume da sua “Collecção Visienses de boa memória”, intitulado Afonso Henriques (1109/1185) – “O Pai da Pátria”. Nesse pequeno livro de 72 páginas, Almeida Fernandes assina 24, postumamente. Começa por se auto-elogiar com um pensamento da sua autoria: “Coragem intelectual, é o mesmo que honestidade intelectual, porque a verdadeira coragem é sempre honesta, mesmo quando erra”.
Não é preciso ser filósofo para destruir este silogismo. De facto basta olhar para a sociedade portuguesa, nomeadamente para os políticos que nos governaram desde o 25 de Abril de 1974, para concluirmos que coragem e honestidade são virtudes divergentes: basta citar dois exemplos: Neil Armstrong (1930-2012), primeiro homem que foi à Lua (1969), e Alves dos Reis (1896-1955). Aquele foi corajoso e intelectual. Este foi o maior burlão da História de Portugal. Talvez a sua intelectualidade fosse superior à de quantos ele burlou. Mas em honestidade talvez estejamos hoje todos a sofrer das suas consequências negativas.
A desonestidade intelectual da “teoria de Viseu”
Na página 9 do opúsculo Afonso Henriques (1109/1185) – “O Pai da Pátria”, Almeida Fernandes gaba-se de dar aos leitores “satisfação por prestar este informe à nobre e já agora quase “régia” cidade de Viseu, pois que os seus interesses culturais me proporcionam a honra de o fazer. Satisfação mas também a bem consciente responsabilidade que assumo por inteiro contra o que possa negar-se à minha investigação.
Viseu está de todo inocente numa reclamação histórica deste género, porque sou o primeiro e, por isso, ainda o único que lhe propõe este facto, a razão para o seu orgulho: pátria do Fundador da Nacionalidade, como é do Rei D. Duarte.
Tanto quanto a verdade historicamente informada o permite, poderá Viseu, de ora em diante orgulhar-se de um tal facto. Dele possui todos os dados, enquanto nenhuns Guimarães e Coimbra, que se arrogam do mesmo.
Guimarães reclama-se de uma tradição que nem o é, por ser de origem erudita e não suficientemente antiga. Coimbra nem esse pouco: apenas uma ideia acudida há mais de dois decénios a um professor universitário de ter achado D. Teresa mencionada aí num documento de 1109 que não soube interpretar aquela data”.
Embalado nesse auto-convencimento de que só Almeida Fernandes “tem orgulho em apontar” Viseu como terra de intelectos, homens frutificados no conhecimento universal, desabafa: “não há terra que não se orgulhe de ter sido pátria de um vulto importante, a não ser que falhe de intelecto ou que viva na inconsciência histórica que frutifica na ignorância. Viseu não pode admitir um estado cultural dessa espécie”.
Por isso abre os seus avanços científicos neste seu estilo eloquente e narcisista:
“Com todo o meu retrógrado positivismo historiográfico, estou crente – e a Viseu o garanto – de que há-de ser muito difícil ou aleatório seja a quem for, poder opor-se com êxito ao resultado desta investigação: o nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu, Agosto de 1109. O mérito da minha intervenção resulta do estudo que nunca se fez”.
Cá está o super-homem de Nietzsche, com toda a sua plenitude, a provocar aquilo que constitui uma afronta a um Povo com nove séculos de História, que desenvolveu uma Língua que acaba de ser reconhecida como a quarta mais falada do mundo, uma Nação que espalhou, pelo mundo, laivos de humanidade, de cultura, de civilização e de paz. Como é possível urdir-se uma teia que reduz a pó nove séculos de história, sem que haja uma entidade que ponha ordem, disciplina e senso num homem só, que tem os seus méritos mas que não deve lesar os interesses, a ética e a dignidade de tantas gerações?
Foi com este espírito de campeão da “história nova”, que censurou e insultou tudo e todos os profissionais da comunidade científica de História, do passado e do presente, que “poderiam ter chegado às minhas conclusões se tivessem estudado o assunto, o que nunca fizeram”.
Na parte final da sua vida Almeida Fernandes começou a sistematizar a heresia histórica que passava pela negação de tudo quanto escrevera na sua chusma de livros e na Revista de Guimarães. Nomeadamente: Portugal no Período Vimaranense (1972); Guimarães, 24 de Junho de 1128 (1978); A Nobreza na época Vimarano-Portugalense (1982); Faria e não Feira (1127-1128) (1991); Os primeiros documentos da Salzeda (1985), todos editados, em Guimarães, pela Sociedade Martins Sarmento. Da década de 1972 até 1990, Almeida Fernandes assentou quartel-general em Guimarães e dali, tendo graciosamente à disposição duas bibliotecas qualificadas e abundantes na temática historiográfica, dispôs de todos os meios logísticos, técnicos e humanos para se servir, com a total “honestidade intelectual” que inundou o seu pensamento.
Consultando a vasta obra dessas duas décadas, é clara – claríssima – a sua mudança de opinião, para reverter tudo o que até aí escrevera, traindo aqueles que lhe pagaram as edições, como foi o caso da Sociedade Martins Sarmento. E, também, no caso concreto: em vez de servir a instituição cultural que lhe escancarou as portas e a sua biblioteca, que se aproveitou dessa Instituição para, mais tarde, fantasiar a teoria que lhe granjeou a fama, sobre o alegado nascimento de Afonso Henriques em Viseu.
As incongruências da nova teoria
As vinte páginas que Almeida Fernandes assina no já referido terceiro volume da Colecção Visienses de boa memória, sete anos depois da sua morte, estão eivadas de auto-elo-gios, de congeminações e de fantasias que os restantes dois co-autores rebuscaram nas gavetas do investigador que tentaram mitificar. Cada um deles o mais trapalhão. Assim:
– Querendo impor o dia 5 de Agosto de 1109 como única data certa para dar coerência e validade à expedição do Conde D. Henrique nesses dias, que parte de Toledo, Viseu, Coimbra, Santarém, Sintra e regressa a Coimbra e Viseu, no espaço de um mês, tal teoria cai pela base, e mais grave ainda: que cientificamente há entre os dias 5, 6 e 15 do mesmo mês?
– Que credibilidade deve dar-se ao argumento de que “o pedido veio-me de Guimarães, cuja instituição responsável não gostou do desfecho…”, sabendo-se que o documento fotocopiado e reconhecido, fraudulentamente, no cartório de Tarouca, dois anos depois da data da recepção, não identifica o autor, antes se limita a forjar o único elemento em que assenta toda a urdidura da teoria, semeada em livros, jornais e congressos?
– Que organismos existem em Portugal, como por exemplo a Academia Portuguesa de História, que devendo zelar pela transparência ética e científica da História, não só não investiga e debate tão importante e melindrosa matéria, como ainda toma posição favorável à fraude que é evidente, comprometendo-se a sua responsável a envolver-se na mudança de manuais escolares e trocando, neles, Guimarães por Viseu, como local de nascimento do Rei Fundador?
Não será nepotismo excessivo por parte do Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, João Silva de Sousa, académico correspondente da Academia Portuguesa de História, a tomar posição pelo sogro, perante os órgãos decisores?
– Que ética e isenção inspira no concurso nacional do «Prémio de História Armando de Almeida Fernandes, ser presidente do Júri o próprio genro do patrono do prémio?
– Pior: concorda aquele “Académico João Silva de Sousa” com dias 5, 6 ou 15 de Agosto de 1109 para nascimento do nosso Fundador. E também concorda com o anexo dessas 20 páginas, quando invoca a: “cidade de Viseu, além de mais segura, possuía a tradição residencial leonesa referida, com o seu paço, conservado na cidadela”.
Quando não convém à incongruente data de 5 de Agosto, quer o sogro, quer o genro, repudiam a tradição como segundo critério de verdade. Mas para impor a residência de D. Teresa no Palacium da cidadela de Viseu, onde viveram(?) os reis leoneses: Ordonho II e Ramiro II, a tradição já lhes serve como alegado argumento de verdade.
– Já nas páginas 36/37 desse pequeno livro, em texto exclusivo daquele docente universitário, afirma que “sem dúvida Afonso Henriques nasceu em 6 de Agosto e em Viseu”. E numa declarada missão de confronto com a tradição, este académico, nas notas de rodapé 4 e 5, da 2ª edição (Sacre/Fundação Mariana Seixas, 2007), chega-se à frente para defender o sogro, como “pioneiro na defesa de teses várias conducentes a esta conclusão, já em 1990/1991, na Revista Beira Alta”. E a atestar a sua paixão nepotista, cita José Mattoso, repetindo e agravando a descontextualização de um parágrafo do decano da historiografia portuguesa, retirado da Biografia de Afonso Henriques. Um erro grave, em cima de um gravíssimo, que Mattoso corrigiu, e muito bem, em 14 de Dezembro de 2009, durante um colóquio em que arderam as orelhas a muitos estoriadores e historiadores:
“Devo penitenciar-me por não ter esclarecido os meus leitores de forma suficientemente explicita acerca do grau de certeza contido na hipótese que aceitei. Havendo contradição entre as fontes, não se pode considerar seguro o ano do nascimento sem discutir o seu valor. Consequentemente também o lugar é incerto. Só o seria se D. Teresa tivesse permanecido sempre em Viseu, entre 1106 e 1110. Lamento não o ter dito com clareza para que o meu nome não fosse invocado como garantia de verdade, quando eu próprio não tinha certeza alguma. Conste, pois, que não considero encerrado o problema da data e do lugar em que Afonso Henriques nasceu”.(8)
Outros palpites
Vimos desmontando até aqui a teoria de Viseu, fabricada com enganos e incongruências mas que conseguiu conquistar os palcos do mediatismo, possivelmente devido ao poder do lobby viseense que está infiltrado no seio do mundo académico de História. Mas uma análise séria e objectiva não permite que se continue a levá-la a sério.
Mais algumas inconsistências:
No livro que vimos citando(9), na página 40, João Silva de Sousa escreveu:
“Em 1120, Afonso tomou uma posição política oposta à de sua mãe, sob a direcção do arcebispo de Braga. Este, forçado a emigrar, levou consigo o infante que em 1122, se armou cavaleiro, na Praça de Tui, no Baixo-Minho, nos termos de Pontevedra”…
É a primeira vez que ouvimos dizer que o nosso Rei Fundador se armou Cavaleiro na Praça de Tui. Será talvez mais um palpite para ver se pega, facto que poderá acirrar os ânimos para quem sempre aprendeu e respeita que esse seu primeiro acto foi em Zamora, em 1125. Se foi em 1122 é mais uma falácia que urge averiguar para que a história nova de Almeida Fernandes não venha atropelar a “história velha” que todas as gerações anteriores à minha aprenderam.
E para terminar, mais uma pérola de sabedoria, vinda de quem tinha obrigação de saber o mínimo de História. Eis o que escreveu o académico João Silva de Sousa, na página 64 do já referido livro “Com a morte de D. Afonso Henriques, a 6 de Outubro de 1185, contando com 76 anos de idade e 57 de governação, D. Sancho I torna-se no segundo rei de Portugal”.
O que se passou em Portugal entre 1990 e 2009 foi uma espécie de abalo sísmico na historiografia portuguesa e um ultraje à procura da verdade.
A comunidade científica de História fez de conta que tal não era com ela. Mas foi com ela. E ela própria tomou partido, por efeito do nepotismo que nos últimos anos tem vindo a ganhar foros de vírus contagioso na sociedade portuguesa.
Há que parar com a falácia desta conspiração histórica. E respeitar a verdade e a honestidade intelectual. Até provas sérias em contrário, podemos continuar a afirmar que tudo indica que o Rei Fundador nasceu em Guimarães, no dia 25 de Julho.
* Artigo publicado na revista “9 séculos. Revista de Lusofonia”, n.º1, 2020, pags.9/14.
** Nasceu em Guimarães. Licenciado em Engenharia Publicitária pela Universidade Fernando Pessoa (Porto). É jornalista e editor. Foi chefe de redacção do quinzenário “A Voz de Guimarães” e sub-director do jornal literário “Poetas & Trovadores”.
NOTAS DE RODAPÉ
(1) Afonso Henriques – Um Rei polémico, de Barroso da Fonte, Editora Cidade Berço/Âncora Editora, 2ª edição, 2010, págs. 29/30.
(2) Este artigo é uma reedição. Saiu pela primeira vez na revista “9 séculos. Revista de Lusofonia”, n.º1, 2020, pags.9/14.
(3) As inscrições no chão do Toural (MCXI e MCLXXXV – anos do nascimento e morte de Afonso Henriques) foram destruídas em 2011, aquando da remodelação daquele espaço central vimaranense para receber a Capital Europeia da Cultura de 2012.
(4) Viseu. Agosto de 1109, Nasce D. Afonso Henriques, de A. de Almeida Fernandes, Edição da SACRE/Fundação Mariana Seixas, Viseu 2007.
(5) Afonso Henriques – um Rei polémico, Barroso da Fonte. Editora Cidade Berço, Junho de 2009. Foi este livro que começou a travar a falácia histórica “fabricada” pelo investigador viseense A. de Almeida Fernandes, e continuada pelos seus seguidores, liderados pelo seu genro, o professor universitário João Silva de Sousa. A alegada carta de Francisco Castanheira, que deu início à fabricação da “teoria de Viseu”, é um dos casos desmascarados.
(6) Edição da AVIS – Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu, Coordenação de Júlio Cruz, textos de Júlio Cruz, A. de Almeida Fernandes e João Silva de Sousa.(7) In III volume das Actas do Primeiro Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada (pág. 11), realizado em Guimarães em 1979.
(8) Palavras de José Mattoso sobre esta polémica, na abertura do colóquio realizado no Centro de História da Faculdade de Letras de Lisboa, em 14 de Dezembro de 2009.
(9) Afonso Henriques (1109/1185) “O Pai da Pátria”, nº 3 da Colecção Visienses de boa memória, Ed. AVIS, Viseu, 2009.