Discurso do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Carlos Moedas, nas Cerimónias de Homenagem aos Heróis da Restauração e da Guerra da Aclamação, a 1 de Dezembro de 2024

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Carlos Moedas

Senhor Presidente da República,
Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República, em representação do Presidente da Assembleia da República
Senhor Presidente Ramalho Eanes,
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Senhora Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa,
Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior
Senhor Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal,
Senhor Procurador-Geral da República,
Senhora Secretária de Estado da Defesa Nacional,
Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército,
Demais Chefias Militares,
Senhores representantes dos Grupos Parlamentares
Senhor Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana,
Senhor Diretor-Nacional da Polícia de Segurança Pública,
Senhoras e Senhores Embaixadores e representantes do Corpo Diplomático,
Senhoras e Senhores Vereadores da Câmara Municipal de Lisboa,
Demais entidades,
Senhor D. Duarte de Bragança e Senhora D. Isabel de Herédia, Duques de Bragança, muito obrigado por se juntarem mais uma vez neste dia especial,
Neste dia que também é vosso,
Minhas Senhoras e meus Senhores
Caros portugueses, Caros lisboetas,

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Carlos Moedas, no uso da palavra
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Carlos Moedas, no uso da palavra

Passaram 384 anos.
Quase 4 séculos desde aquele 1 de Dezembro de 1640.
Nesse dia tudo mudava no país:
Os conjurados acabavam com 60 anos de domínio castelhano.
O Duque de Bragança era aclamado Rei.
Gritavam-se vivas à liberdade do país.
Era um daqueles momentos marcantes.
Daquelas horas em que tudo acontece: horas que parecem viver-se como dias, meses, anos.
Tal como se escreveria num famoso conto posterior, aquelas foram horas que valeram por muitos anos de vida.
Esse momento faz hoje parte de nós.
Do modo como pensamos e como imaginamos.
E, dentro dessa nossa imaginação coletiva – que foi também literária – poucos foram os que celebraram melhor esse 1.º de Dezembro do que Almeida Garrett.
Numa peça improvisada que toca no coração dos portugueses.
É a história de D. Leonor, quem, sendo dona da sua casa, não é dona da sua liberdade.
Pois quem governa a sua casa é o seu tio.
Um partidário do rei castelhano que lhe quer impor um casamento que ela rejeita.
E como é que D. Leonor é salva desse casamento imposto?
Precisamente porque, naquela madrugada, os nossos conjurados tinham feito o 1.º de Dezembro.
Ouvindo os sinos que tocavam e o povo que gritava, o seu tio perguntava sobre o que se estava a passar.
E a sobrinha, feliz, diz-lhe: Meu tio, caia em si!… Quer dizer que Portugal é Portugal outra vez.
Nesta história, D. Leonor representa o país, um país governado de fora.
Um país cuja vida era determinada a partir de fora, tal como o seu casamento lhe fora imposto pelo tio.
E, tal como D. Leonor acabaria com quem realmente amava, o conjurado D. Jerónimo, também Portugal acabaria independente naquele dia.

Senhoras e Senhores,
Mais ou menos romantismo, mais ou menos daquela exaltação patriótica que por vezes vê o mundo a preto e branco, a história de D. Leonor não deixa de nos tocar.
Não deixa de nos tocar precisamente porque o 1.º de Dezembro ainda hoje faz sentido.
Pelo que significou. Pelo que nos deu.
Mas hoje, principalmente, pelas lições que nos deixa. E quais são essas lições?

[liderança]
Primeiro: o 1.º de Dezembro é uma lição sobre liderança.
Os anos que levaram a 1580 refletiram uma crise de liderança.
Não foi só a tragédia de Alcácer-Quibir e a morte de um Rei que a causaram.
As nossas elites tinham falhado no que podiam controlar:
Foi a incapacidade de antecipar os riscos de uma política de alianças matrimoniais que comprometia o futuro.
Foi a preferência pelos ganhos de curto-prazo em vez do longo-prazo.
Foi a própria desunião e divisão de quem devia liderar. Principalmente quando mais precisaríamos de união.
A causa   nacional   continuava   a   bater   nos   corações   dos portugueses, é certo.
Mas sem uma liderança que a agregasse, que a organizasse e tornasse movimento político, pouco se poderia fazer para além de chamar pelo rei Encoberto.
E chamar pelo rei Encoberto era chamar pelo impossível.
Tal como hoje, por vezes, vemos os extremismos a fazer o mesmo: a prometerem o impossível às pessoas.
E, assim, a apresentarem falsas soluções para os problemas. A liderança política não vende ilusões às pessoas.
A liderança política entrega concretizações, deixa resultados.
E uma liderança política não divide o país na lógica do nós contra eles. Não cria fantasmas nem inimigos imaginários. Uma liderança política une as pessoas, apesar de todas as diferenças que possam existir.

[autonomia]
Senhoras e Senhores,
Segunda lição: sobre autonomia.
Daquela autonomia que nos dá capacidade para fazer mais, para transformar a sociedade, para não dependermos de ninguém para o conseguir fazer.
Naqueles séculos XVI e XVII, apesar das primeiras ilusões daqueles que pensavam que uma monarquia ibérica faria de Lisboa o centro do mundo.
O centro de um império onde o sol nunca se punha, Apesar dessas ilusões, o que aconteceu foi o oposto.
A união das coroas foi um desastre militar, económico e estratégico para o país.
O que é que isto nos diz?
Que muitas vezes as ilusões na política são fatais. Acreditar que podemos não depender de nós é fatal. O resultado é perder a autonomia.
É tornarmo-nos instrumentos de interesses alheios.
Hoje também se vê o mesmo:
Serve como lição para Portugal na Europa, que não pode ser um país que está sempre de mão estendida.
E serve de lição para a Europa no mundo, que não pode continuar dependente da boa vontade de outros.
Da defesa norte-americana. Da economia chinesa. Da energia russa.
Tanto Portugal como a Europa têm de saber depender mais de si mesmos.
Têm de o fazer para que possam ter um papel no mundo. Em que é que isto se traduz?
Em ter o foco num objetivo simples: fazer, concretizar.
Na    política    deste    tempo    habituámo-nos    a    focar-nos demasiado nos anúncios. Nos títulos dos jornais.
O foco deve ser o oposto: em falar menos e fazer mais.
Foi esse foco que fez de Lisboa Capital Europeia da Inovação.
Foi esse foco que trouxe mais 14 000 empregos qualificados para a cidade.
Foi isso que nos faz hoje ser a única grande capital europeia com transportes públicos gratuitos para os mais idosos e os mais jovens.

[identidade]
Senhoras e Senhores,
Terceiro: o 1.º de Dezembro é uma lição sobre identidade.
Durante aqueles 60 anos de domínio dos Filipes, Portugal nunca deixou de ser Portugal.
A causa nacional não deixou de ser vivida no mais íntimo dos corações portugueses.
O Senhor Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal costuma lembrar, e bem, que sem o 1º de Dezembro não haveria língua portuguesa.
E por consequência literatura em português. Música em português. Poesia em português. Não haveria Fernando Pessoa.
Talvez não houvesse fado.
O porco preto alentejano seria apenas porco ibérico.
E tantos outros exemplos que poderíamos arranjar…
O Dr. José Ribeiro e Castro tem razão. Mas tudo isto diz-nos mais do que parece.
Diz-nos que a independência se restaurou porque havia uma cultura. Porque havia uma língua. Porque havia uma alma.
Em suma, porque havia uma identidade portuguesa. E é essa identidade que não podemos perder.
Que não podemos perder hoje num mundo em que as identidades, de certa forma, se diluem.
Onde há uma certa uniformização.
Através do digital. Através da interdependência. Através da globalização.
Neste mundo de hoje precisamos de continuar a manter a nossa marca.
A nossa identidade, que nos distingue positivamente.
E que nos permite dar um contributo próprio no mundo.

Senhoras e Senhores,
Passados 384 anos, ainda temos muito a aprender com aquele 1.º de Dezembro.
Com esse dia em que tudo mudou.
Em que se aclamava um Rei português. Em que os sinos tocavam nesta cidade. Em que os lisboetas saíram à rua.
Foram horas que valeram por muitos anos de vida. Horas em que se ouviam os Vivas:
Vivas ao novo Rei. Vivas à nova liberdade.
Mas, acima de tudo, vivas a Portugal. Ao antigo, tão nosso, Portugal.
O nosso Portugal, pelo qual todos os riscos valem a pena.
Como bem sabiam os nossos conjurados, que tiveram a audácia de correr todos os riscos pelo país.
Por um país com liderança. Com autonomia.
Com identidade.
Tal como eles, hoje também é dia de gritar bem alto:
Viva o 1.º de Dezembro!
Viva Portugal!