João José Brandão Ferreira **
Introdução
“E outros em quem poder não teve a morte”.
Camões, “Lusíadas”, I, 14
Hoje não estamos apenas a apresentar um livro – e não deixa de ser uma ironia que quanto menos as pessoas lêem, mais títulos há no mercado – de um autor como tantos outros. Tal deve-se a que se trata da 3ª Edição distinta do mesmo livro, a 1ª das quais viu a luz do dia, em 1995, através da Editora “Erasmus” mas, sobretudo, por se tratar também de homenagear postumamente a figura do autor, que se distinguiu com invulgar lustre quando, como militar da Força Aérea, cumpriu uma comissão de serviço na então Província da Guiné, nos anos 60 do século passado. E quero desde já, afirmar que na história militar dos últimos 150 anos e em todo o mundo, não há muitos casos que se lhe possam igualar.
Houve ainda uma quarta e quinta edição, de autor, com a chancela de DG Edições (ou seja, Daniel Gouveia), em que o António Lobato distribuiu pelos amigos, datada de 2014, onde acrescenta um interessante capítulo sobre o que fez a seguir a ter regressado a casa, o que também é transcrito na actual edição.
Curiosamente pediu-me um “prefácio” para essa edição que eu escrevi, mas que acabou por não sair. Nunca soube a razão e também nunca lhe perguntei. Está hoje, na sua totalidade entremeada na minha fala.
Devo ainda dizer que, a “rádio observador” entrevistou o António Lobato cerca de um ano antes dele falecer e fez um programa radiofónico sobre o que o actual livro versa, em seis episódios, intitulado “O Sargento da Cela 7”.
Introito
“Se algum dia desaparecer não te preocupes, voltarei sempre.”
António Lobato, para sua mulher
(Bissau, 21 de Maio de 1963).
Para se ser herói um dia, não custa muito.
Pode até resultar de um acto fortuito, um impulso generoso, um fugaz de bravura, um rasgo temerário.
Agora ser herói por sete anos e meio, numa espécie de morte lenta, é já muita coisa e demonstra uma fibra diferente; uma resistência e determinação invulgar. Já não é apenas fruto de um acto de dádiva espontâneo, ou de valentia (que, de certo, resulta de um interior que se moldou nesse sentido), mas também de temperança de uma escolha racional e emocional sempre renovada!
Lobato foi, por isso, herói todos os dias. E, algo espantoso, nunca, mais tarde, se envaideceu do seu “eu” e foi ultrapassando todo e qualquer trauma por si experienciado!
E, foi, da experiência como militar da Força Aérea, sobretudo no período que passou na sua comissão de serviço na Guiné – prevista para durar dois anos e que se estendeu quase por dez – que trata o livro que ora se apresenta aos seus futuros leitores.
E o que mais fere a nossa vista, durante a leitura da narrativa da sua experiência, é a luta do seu ser, para sobreviver; a descoberta dos recônditos da sua alma; o domínio das emoções, adaptando-as à racionalidade do momento; o fortalecimento dos princípios do seu carácter a fim de enfrentar as opções que se lhe foram figurando. Lobato venceu-se a si próprio em situações limite.
E tal representa uma espécie de tratado que corre transversalmente várias ciências sociais.
O livro
“Se serviste a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela o que costuma.”


Séneca
Ligava-me ao António Lobato, uma longa amizade que nasceu da camaradagem militar, quando nos cruzámos pela primeira vez na Base Aérea 1, em Sintra, no já longínquo ano de 1978. O seu “olho clínico” lá me fisgou para seu adjunto, certamente na benemérita preocupação em o aliviar na tarefa em que tinha sido investido pelo comandante da unidade.
Desde então mantivemo-nos em contacto em diversas actividades, a maioria das quais integrava quase sempre um “golpe de mão” gastronómico, de saudosa memória.
Foi promovido por distinção a tenente (era segundo sargento quando foi capturado na Guiné), e admitido no quadro de pilotos aviadores, depois de uma recepção algo conturbada, aquando do seu regresso à Metrópole – dando seguimento ao aforismo de Séneca de “ se serviste a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela o que costuma”.
O seu espírito livre e empreendedor aliado a uma grande ânsia de viver – a que não é, certamente, estranho o longo período de cativeiro a que foi submetido e também uma certa exigência que mantinha consigo e com os outros – levou-o a abandonar o serviço activo no posto de major.
Foi homem de Carácter e forte Personalidade, com alguns traços de autocracia, mas sempre com bom fundo e recta intenção.
Na vida civil fez de tudo um pouco: foi aviador, empresário, jornalista, gestor de imobiliária, director de empresa, etc.
Após a sua libertação, em 22 de Novembro de 1970 numa notável operação militar (que, aliás, nunca existiu), comandada pelo mítico Comandante Alpoim Calvão, sete anos e meio depois de ter sido capturado, em 22 de Maio de 1963 (exactamente à mesma hora do mesmo dia em que seis anos antes teve o seu primeiro acidente aéreo grave), refez a vida com a jovem mulher que tinha deixado como viúva de um homem vivo, pouco tempo depois de terem casado. A Maria dos Anjos manteve-se à altura do marido, pois nunca desistiu, abandonou ou desesperou. Para ela vai, também, a minha homenagem. Tiveram dois filhos, o Cícero e o Marco, estiveram bem casados e pode-se dizer que conseguiram uma vivência muito razoavelmente construída.
Ainda existirão histórias com final feliz? Parece que sim.
Mas esta história podia ter acabado muito mal em várias ocasiões. Lobato escreveu um livro (ele escrevia muito bem), onde conta o sucedido em África, numa narrativa em discurso directo, despida de artificialismos ou figuras de estilo. É nua e crua. Nela tudo é simples e factual, não há ponta de afectação nem tentativa de exaltação ou complexo de vítima. É um retrato autêntico com alguma emoção racional e racionalidade emotiva, à mistura. Poderá parecer um pleonasmo mas recomendo a sua leitura.
De toda a sua epopeia creio haver a realçar três aspectos:
* A sua vontade de sobreviver
* A sua “obsessão” em escapar ao cativeiro
* A determinação em honrar a sua condição de militar e português.
A sua vontade em sobreviver revela-se em tudo o que fez no cuidado que colocou na salvaguarda da sua condição física e, sobretudo, psíquica; ele conta-nos o seu consciente e subconsciente, tratando-se de uma vivência humana única e riquíssima, que muito pode aproveitar a outros.
O desejo de fugir é, outrossim, parte desta luta pela sobrevivência, para além de ser um dever militar, de qualquer prisoneiro de guerra. Tentou a fuga três vezes e três vezes foi capturado, sendo que, da última vez, desfrutou de quase uma semana de liberdade antes do azar da recaptura. Mais uma vez se provou que não há prisões completamente invioláveis, face a um indivíduo determinado.
Por último, o Sargento Lobato não virou a cara, não se acobardou, não negociou, não tergiversou, não cedeu a ameaças, chantagens ou falsas amizades; não traiu, mesmo em face de promessas ou perigos. Por tudo isto ele merece o título de herói. Que grande exemplo!
*****
Ninguém, em seu juízo perfeito, faz alguma ideia de como reagiria nas condições que António Lobato viveu. Por isso têm o benefício da dúvida. Mas sobre Lobato não há dúvidas, ele teve mesmo aquele comportamento. E, por estatística, sabemos que tal comportamento está apenas destinado a uns poucos bravos de carácter.
Quanto mais não fosse por “bom senso”, a Força Aérea e toda a Instituição Militar, devia ter tratado este homem com especial deferência, em vez de o ter votado ao quase olímpico abandono. É muito lamentável que assim tenha ocorrido.
Desde sempre o Major António Lobato foi um cidadão anónimo que muito poucos conhecem e nem as novas gerações de militares ouviram falar, quando o seu exemplo devia ser lido em todas as escolas do nosso País.
Mas, ao invés, ainda o insultamos, aviltando-nos!
Pois que dizer daqueles que, entre nós, traíram, desertaram e se puseram ao lado dos inimigos de Portugal e foram, entretanto, sendo promovidos, condecorados e outorgadas pensões pecuniárias? Quero até salientar que somos até servidos por um Presidente da República que chegou a condecorar o responsável maior pela captura do Lobato (além, por exemplo, de ser o primeiro responsável por nos terem morto quatro oficiais e 3 civis que estavam desarmados, em encontro que estava combinado e, não contentes com isso, ainda lhes retalharam o corpo à catanada).
Parece-me, pois, haver algo de muito errado nisto tudo!
Sem embargo, a dívida que temos para com ele não prescreve… E a partir de hoje tem de ser paga.
Por isso devia ser objecto de uma distinção adequada, pois para isso revelou ter o “Valor, a Lealdade e o Mérito”. Julgo não necessitar acrescentar mais nada.
Homenagem ao Homem e ao Militar
“Age como se tudo dependesse apenas de ti e reza como se tudo dependesse de Deus; não é uma oração, mas é um conselho.”
António Lobato
A aldeia de Sante, Freguesia de Paderne, Concelho de Melgaço, terras onde nasceu Portugal, foi o berço de quem hoje homenageamos.
Creio que seria de toda a justiça que lá passasse a figurar em destaque uma lápide com os seguintes dizeres:
“O Major Piloto Aviador António Lourenço de Sousa Lobato ingressou na Força Aérea, como voluntário, em 1957, tendo frequentado o curso de pilotagem P3/57, sendo promovido a 2º Sargento Piloto Miliciano, em 1959.
Entre 1959 e 1961 foi instrutor de pilotagem na antiga Base Aérea 7, em S. Jacinto, sendo louvado pelo respectivo Comandante.
Em 26 de Julho de 1961, embarcou para a Província da Guiné, cujo Teatro de Operações fazia parte da Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde, da 1ª Região Aérea.
Nesta então província ultramarina, prestou serviço no Aeródromo Base nº 2, nas suas esquadras operacional e de transporte, tendo ajudado à implantação do dispositivo da Força Aérea naquele território – numa tradição que vinha já de 1917, quando se deu a primeira projecção do Poder Aéreo português, para África, em plena I Guerra Mundial – a partir praticamente do zero, e onde mereceu também, louvor do Comandante da Zona Aérea.
Após a emergência violenta da subversão na Guiné, com o ataque ao quartel de Tite, em Janeiro de 1963, o Sargento Lobato passou a participar activamente nas acções de contra guerrilha tendo efectuado 366 missões aéreas, totalizando 1.156 horas de voo.
No regresso de uma dessas missões (para a qual se ofereceu, estando de folga), no dia 22 de Maio de 1963, tendo o T-6 que pilotava sido atingido por fogo inimigo, pediu ao seu “asa” que passasse por baixo do seu avião para verificar o seu intradorso.
Nesta manobra o jovem piloto que constituía a sua parelha, colidiu com o seu avião, despenhando-se em seguida.
Esta colisão obrigou o então Sargento Lobato a efectuar uma aterragem de emergência numa zona onde se fazia sentir a acção do inimigo.
Sem meios de defesa foi capturado por um grupo de aldeões afectos à subversão, que o agrediram, desferindo-lhe dois golpes de catana na testa e nas costas.
Após o que foi entregue a um grupo armado, de guerrilheiros e posteriormente levado a pé para território da República da Guiné-Conacri cujo governo era manifestamente hostil a Portugal mas que oficialmente não estava em guerra com o Estado Português.
Neste país esteve prisioneiro durante sete anos e meio, em Kindia e Conacri, tendo sido libertado na sequência da operação “Mar Verde”, em 22 de Novembro de 1970.
De regresso à então Metrópole, foi promovido, por distinção, a tenente com antiguidade de 1967, ingressando no quadro permanente dos oficiais pilotos aviadores.
Foi promovido a capitão em 1972 e a major em 1979, após frequentar o Curso Geral de Guerra Aérea. Passou à situação de reserva em 1981.
Durante toda a sua carreira militar cumpriu com zelo e espírito de serviço todas as missões de que foi incumbido;
Durante o período em que esteve prisioneiro do Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde em território da então Província da Guiné e na República da Guiné – Conacri se houve de modo muito corajoso e segundo os ditames da Virtude e da Honra;
Em todas as circunstâncias agiu conforme a fórmula do Juramento de Bandeira, que efectuou, em compromisso livre e público;
Nunca em qualquer circunstância traiu a sua Pátria, os valores que a sustentam, tão pouco os deveres militares, apesar de instado repetidas vezes a fazê-lo por parte do inimigo, nomeadamente através do seu dirigente máximo, que lhe chegou a oferecer a liberdade num país da Europa de Leste – na altura sob tutela da União Soviética – ou na Argélia, em troca do seu repúdio público das missões de que tinha sido incumbido e contra o seu país;
Cumpriu os deveres de qualquer prisioneiro de guerra, que é o de não revelar quaisquer segredos ao inimigo e o de tentar a fuga o que fez por três vezes com evidente risco de vida, obtendo sucesso na sua última tentativa, sendo recapturado mais tarde, por perseguição contra si movida;
Viveu privado de liberdade em condições degradantes e em muitos casos de grande sofrimento e isolamento, por um período de tempo muito elevado (sete anos e meio);
Apesar de todas as dificuldades nunca colaborou com o inimigo revelando, outrossim, raras qualidades e virtudes militares e de carácter, de que se destacam a Probidade, a Discrição, Lealdade e Patriotismo, Coragem (moral e física), bravura e intrepidez, abnegação, constância e resignação e, finalmente, Honra e Valor – que são a síntese de todas as outras – fazem dele um exemplo a apontar não apenas à Instituição Militar, mas a toda a Nação Portuguesa e ao Mundo.
Ou seja, e em síntese, a acção do Major António Lobato, como combatente em operações reais, demonstrou um valor militar excepcional, revelado num período extenso de tempo e sem quebra de ânimo e sempre debaixo de ameaça da sua eliminação física.
Tal comportamento pela sua raridade, apenas encontra paralelo em muito poucos exemplos nas campanhas militares do mundo inteiro, conferindo insofismável lustre às armas portuguesas.
O valor da sua conduta não se revela apenas no âmbito militar, mas também na sua fidelidade à secular Pátria Portuguesa nunca se furtando ou desertando do combate que era de todos, muito menos traindo a Nação que lhe deu o berço.
A frase com que justificou a sua atitude para não assinar a declaração em como estava contra a guerra, o que lhe daria a liberdade prometida, de “com que cara é que eu iria aparecer no largo da minha aldeia?”, é bem reveladora do carácter do Major e cidadão, António Lobato, sendo em simultâneo, um misto de humildade e grandeza de alma.
O Major Piloto Aviador António Lobato foi, pois, um combatente de excepcional valor, que honrou os pergaminhos da Força Aérea e das Forças Armadas Portuguesas e um patriota exemplar, daqueles que sustentam a Nação Portuguesa há quase 900 anos e a quem o Pai fundador, Afonso Henriques, não desdenharia ter como seu companheiro de armas.
O Major Piloto Aviador António Lobato é, assim, credor de que os seus actos sejam considerados feitos excepcionais de heroísmo militar e cívico, bem como actos e serviços de idêntica excepcionalidade, de abnegação e sacrifício pela Pátria, de ser louvado publicamente e apontado como exemplo aos vindouros como digno continuador dos nossos “egrégios avós”.
As terras de Melgaço reconhecidas e orgulhosas de um dos seus filhos.”
Mas nada disto está lá escrito, ainda…
Conclusão


“O Militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da Virtude e da Honra, Amar a Pátria, e defendê-la com todas as suas forças até ao sacrifício da própria vida, guardar e fazer guardar a constituição em vigor e mais leis da República, do que tomará compromisso solene segundo a fórmula adoptada, e tem por deveres especiais os seguintes: (seguiam-se 55 deveres).
Preâmbulo do Artigo 4.º do RDM
Se há pessoa que cumpriu o preâmbulo do Art.º 4.º do RDM – o daquele tempo, pois a versão actual não presta e deve ser revista urgentemente – artigo que era e tal não pode ser mais eloquentemente descrito do que no texto do grande embaixador Franco Nogueira, no seu livro “Um político Confessa-se” (Diário: 1960-1968). Diz ele a páginas 272 e 273:
“Lisboa, 28 de Dezembro – Há quatro ou cinco anos que se encontra preso na República da Guiné o sargento-aviador português Lobato. Raptado pelos terroristas, estes têm-no conservado preso com a conivência de Sekou Touré. Preso conjuntamente com criminosos de delito comum, subalimentado, em condições de suprema degradação, e tudo isto num clima que derrota os mais animosos. Tudo tenho tentado para libertar aquele no nosso sargento: a Cruz Vermelha, a Comissão Internacional de Juristas, o governo francês, as Nações Unidas. Tudo em vão. Há dias, as autoridades guineanas disseram que estavam prontas a libertar Lobato se este assinasse um compromisso: se solto, não voltaria a combater em África. Pois Lobato respondeu que não só não assinaria como declarou que, se liberto, logo pediria à autoridade militar portuguesa para tornar ao combate. Parece que perante tanto patriotismo e tanta coragem moral, as autoridades da Guiné ficaram estupefactas, e impressionadas. Falei no assunto ao general Gomes de Araújo. Este tomou o caso muito sério, e reuniu os chefes de Estado-maior das três armas: por unanimidade, resolveram que se não podia autorizar aquele militar a tomar tal compromisso, nem mesmo o governo tem poderes para o permitir. Assim o transmiti para Paris. Mas que notável português, e que exemplo para os meninos de cá que vão a cursilhos, são pacifistas, têm teses, são muito superiores, são muito evoluídos, e consomem-se em discutir com um embevecimento provinciano se a Pátria deve ou não existir. Lobato, serenamente, anonimamente (pois ele não sabe que nós sabemos da sua atitude), não tem teses, não está propriamente a par da consciência universal – e está pronto a morrer.”
Fecho
“Acabo sempre triste com a visita deste homem, onde se adivinha uma inteligência aguda, uma sabedoria helénica e uma bondade quase paternal, mas que baixa o olhar quando o encaro e parte mais triste do que eu fico.”
António Lobato (sobre as visitas de Amílcar Cabral) – ou a vitória do prisioneiro sobre o seu carcereiro…
O testemunho de vida que o Major António Lobato nos deixou, deve ser perpetuado e apontado como exemplo cívico, ético e moral, à Nação dos Portugueses. Este livro que, em boa hora, a Liga dos Combatentes entendeu reeditar, serve esse propósito. Mas outras iniciativas devem ser tomadas:
– O Ministério da Educação que melhor se chamaria da Instrução, pois a educação cabe mais à família fazê-lo – deveria incluir num dos textos das disciplinas de História Pátria ou de Português, a saga de António Lobato – como no meu tempo de escola se aprendia o “exemplo do Alcaide de Faria”, ou o gesto de D. João de Castro em dar as suas barbas como penhor do empréstimo ao socorro de Diu (ao contrário de algumas ideias sinistras que se tentam inculcar hoje às crianças indefesas);
– A sétima arte tem neste âmbito, vasta matéria para pôr em película;
– Direi que não ficaria mal à Câmara de Melgaço promover uma homenagem a um dos seus mais ilustres filhos da terra, descerrar-lhe um busto e dar o seu nome a uma rua principal;
– A própria Liga dos combatentes, caso não haja nada testamentário em contrário e a família não se oponha, podia equacionar transladar o seu corpo para um lugar de destaque num dos seus talhões;
– Facultar-se a experiência descrita no livro a entidades académicas e científicas, adequadas, para que o seu agir possa contribuir para melhor conhecimento da natureza humana. Quanto à Força Aérea e, ou, demais instituições militares, têm ainda muito pela frente para fazer em prol da figura de António Lobato – e ao fazerem-no só estarão a prestigiar-se a si mesmas:
– Dar-lhe um lugar de destaque no Museu do Ar; – Fazê-lo patrono de um curso da Academia da Força Aérea;
– Dar o seu nome ao Centro de Treino e Sobrevivência da Força Aérea (sito na Base aérea 6, Montijo);
– Retirar ensinamentos da sua acção para acrescentar ao Manual de Sobrevivência;
– Fazer o levantamento de todas as acções levadas a cabo pelas autoridades do Estado Português de então, para o libertar;
– Promover palestras periódicas sobre o seu testemunho de vida;
– Editar um livro oficial sobre a sua figura;
– Promover uma homenagem de reconhecimento ao mestiço francês Joseph Chambord Lambert, por ter ajudado A. Lobato na sua fuga da prisão de Kindia;
– Finalmente, condecora-lo, a título póstumo com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, no Dia de Portugal, comemorado a 10 de Junho, pois o seu valor, lealdade e mérito, está fora de causa e, podendo ser igualado, dificilmente pode ser ultrapassado.
* A Justiça dos homens não podendo ter sido feita em vida, ao menos que o seja um dia.
Tal servirá também para nos redimir, como comunidade, do seu sacrifício ter acabado por ter sido em vão.
E para que, sobretudo, possamos reganhar o orgulho em sermos portugueses e ter esperança no futuro da Pátria comum que hoje, como noutras alturas da História, se encontra tão abalada e até, nalgumas consciências, ferida de morte.
Não em vão escreveu Camões, que antes de ser poeta, foi militar: “E aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando; cantando espalharei por toda a parte, se a tanto me ajudar o engenho e arte”.
É o caso do Major Piloto Aviador António Lourenço de Sousa Lobato.
* Texto lido na apresentação do livro “Liberdade ou Evasão”
** Oficial Piloto Aviador (Ref.)